segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

DEUS VEM PARA QUE VOLTEMOS A ELE



2º DOMINGO DO ADVENTO – ANO B

 Is 40,1-5.9-11; Salmo 84 (85); 2 Pedro 3,8-14; Mc 1,1-8
A liturgia do segundo domingo de Advento constitui um veemente apelo ao reencontro do homem com Deus, à conversão. Por sua parte, Deus está sempre disposto a oferecer ao homem um mundo novo de liberdade, de justiça e de paz; mas esse mundo só se tornará uma realidade quando o homem aceitar reformar o seu coração, abrindo-o aos valores de Deus.
Na primeira leitura, um profeta anônimo da época do Exílio garante aos exilados a fidelidade de Jahwéh e a sua vontade de conduzir o Povo – através de um caminho fácil e direito – em direção à terra da liberdade e da paz. Ao Povo, por sua vez, é pedido que dispa os seus hábitos de comodismo, de egoísmo e de auto-suficiência e aceite, outra vez, confrontar-se com os desafios de Deus.
No Evangelho, João Baptista convida os seus contemporâneos (e, claro, os homens de todas as épocas) a acolher o Messias libertador. A missão do Messias – diz João – será oferecer a todos os homens esse Espírito de Deus que gera vida nova e permite ao homem viver numa dinâmica de amor e de liberdade. No entanto, só poderá estar aberto à proposta do Messias quem tiver percorrido um autêntico caminho de conversão, de transformação, de mudança de vida e de mentalidade.
A segunda leitura aponta para a parusia, a segunda vinda de Jesus. Convida-nos à vigilância – isto é, a vivermos dia a dia de acordo com os ensinamentos de Jesus, empenhando-nos na transformação do mundo e na construção do Reino. Se os crentes pautarem a sua vida por esta dinâmica de contínua conversão, encontrarão no final da sua caminhada terrena “os novos céus e a nova terra onde habita a justiça”.
1ª leitura Is 40,1-5.9-11
O profeta é, pois, enviado por Deus a anunciar “ao coração de Jerusalém” que a “consolação” do Senhor está próxima (vers. 1). A imagem do “falar ao coração” sugere a relação de amor entre Jahwéh e o seu Povo, entre o amado e a amada… Deus “fala ao coração” do seu Povo, com amor e ternura, a fim de consolá-lo.
Em que consiste essa “consolação”?
Consiste, em primeiro lugar, no anúncio do perdão de Deus (vers. 2). Os exilados estavam convencidos de que a dolorosa experiência do Exílio era o castigo para os pecados cometidos pelo Povo de Judá. Viviam angustiados, afogados em sentimentos de culpa, sentindo-se em transgressão, indignos, pecadores e afastados de Deus. Neste contexto, Deus diz-lhes: o tempo da ruptura e do afastamento terminou e chegou o tempo do reencontro, o tempo de refazer a comunhão e a Aliança.
O profeta utiliza, para expressar esta mensagem de perdão, duas imagens… A primeira é uma imagem ligada ao universo militar: o tempo de serviço que o Povo foi obrigado a cumprir já terminou (a palavra utilizada pelo profeta designa com freqüência, na língua hebraica, o tempo de vassalagem forçada, o tempo obrigatório de serviço no exército); a segunda é uma imagem ligada ao universo cultual: o castigo que o Povo sofreu foi aceite pelo Senhor, como se se tratasse de um sacrifício de expiação (esses sacrifícios de expiação que a liturgia de Israel tão bem conhecia e que serviam para refazer a comunhão com Deus, depois do pecado do Povo).
Ainda neste enquadramento de “consolação”, o autor do nosso texto apresenta uma misteriosa voz que convida a preparar “no deserto o caminho do Senhor”, a abrir “na estepe uma estrada para o nosso Deus” (vers. 3-5). O que é que isto significa?
O tema do deserto leva-nos, evidentemente, ao Êxodo… Recorda esse acontecimento fundamental da história e da fé de Israel que foi a libertação do Egito e a viagem da terra da escravidão para a terra da liberdade (viagem que não foi apenas o percorrer um determinado percurso geográfico, mas foi, sobretudo uma viagem espiritual, durante a qual o Povo fez uma experiência de encontro com Deus, amadureceu a sua fé e passou de uma mentalidade de egoísmo e de escravidão para uma mentalidade de comunhão e de liberdade).
A referência ao caminho pelo deserto sugere claramente que Deus prepara um Novo Êxodo para o seu Povo. O profeta anuncia aos exilados que Deus vai traçar um caminho fácil, direito, glorioso, triunfal, pelo qual os exilados irão passar da terra da escravidão à terra da liberdade, numa espécie de “reedição melhorada” do antigo Êxodo. Trata-se de um “caminho” geográfico, ou de um caminho espiritual? Provavelmente, o profeta não distingue uma coisa da outra… Ele quererá dizer aos exilados que Deus vai tornar fácil esse percurso geográfico que eles devem percorrer, alimentando-os, salvando-os dos perigos, ajudando-os a vencer a fadiga da caminhada; mas, sobretudo, o profeta quererá dizer aos exilados que Deus lhes vai oferecer, outra vez, a possibilidade de uma “caminhada espiritual”, durante a qual eles poderão fazer uma nova experiência do amor e da bondade de Deus e redescobrir os caminhos da comunhão e da aliança. Naturalmente, é preciso que os exilados preparem o espírito para acolher esta nova possibilidade que Deus oferece, aceitem confiar em Deus, aceitem o desafio de retornar à Aliança, aceitem renunciar à escravidão para correr o risco da liberdade.
Na terceira parte, o nosso texto coloca-nos diante de uma nova cena… Um “mensageiro” (em grego: um “evangelista”) eleva a sua voz sobre uma alta montanha e proclama uma “boa notícia” a Jerusalém e às outras cidades de Judá: o Deus poderoso do Êxodo (“vem com poder, o seu braço dominará”) conduz pessoalmente o seu Povo de regresso à Terra Prometida… Ele é o Pastor que reúne o seu rebanho, que o apascenta, que cuida das ovelhas mais frágeis e as conduz “ao seu descanso”, que oferece de novo ao seu Povo a vida e a fecundidade. A referência às ovelhas mais fracas e às ovelhas recém-nascidas (objeto de um especial cuidado de Deus, o Pastor) sublinha o amor, a ternura e a solicitude de Jahwéh pelo seu Povo. Trata-se, sem dúvida, de uma mensagem de “consolação” destinada a acordar nos exilados a fé e a esperança.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão 1: Mostrai-nos o vosso amor e dai-nos a vossa salvação.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.
2ª leitura 2 Pedro 3,8-14
O texto que hoje nos é proposto apresenta duas partes, embora estreitamente ligadas uma à outra pelo tema da parusia (a “segunda vinda” do Senhor Jesus, no final dos tempos). A primeira integra uma reflexão (cf. 2 Pe 3,1-10) sobre o “dia do Senhor”; a segunda integra uma exortação (cf. 2 Pe 3,11-16) aos cristãos no sentido de levarem uma vida santa.
Os cristãos dos primeiros tempos estavam convencidos da iminência da chegada de Jesus para eliminar definitivamente o mal e para instaurar definitivamente o Reino de Deus. No entanto, o tempo passava e a segunda vinda do Senhor não acontecia. Os crentes estavam decepcionados e era objeto da irrisão dos adversários. É neste contexto que a leitura de hoje nos situa… O autor explica sumariamente aos membros da sua comunidade cristã as razões pelas quais o Senhor ainda não veio… A primeira é que Deus não está dependente do tempo, como nós que vivemos na história (“um dia diante do Senhor é como mil anos e mil anos como um dia” – vers. 8); a segunda é que Deus é paciente e pretende prorrogar o tempo da história para dar a todos a oportunidade de acolherem a salvação que Ele oferece (vers. 9). De resto, não é possível definir o momento exato da segunda vinda de Jesus: será algo inesperado e surpreendente, que os crentes devem esperar vigilantes e preparados.
O que é que significa estar vigilante e preparado? O nosso autor responde a esta questão na segunda parte do nosso texto (vers. 11-14). Os crentes devem viver uma vida consentânea com a vocação a que foram chamados – isto é, uma vida irrepreensível, “santa” (isto é, ao serviço de Deus), cheia de “piedade”, “sem pecado nem motivo algum de censura”. Essa conduta apressará, na opinião do autor da carta, a segunda vinda do Senhor e, conseqüentemente, a concretização da promessa desses “novos céus e nova terra onde habitará a justiça”.
ALELUIA – Lc 3,4.6
Aleluia. Aleluia.
Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas
e toda a criatura verá a salvação de Deus.
EVANGELHO – Mc 1,1-8
O corpo central do nosso texto apresenta-nos a missão de João Baptista (vers. 2-3), a sua pregação (vers. 4), a reação dos ouvintes (vers. 5), o seu estilo de vida (vers. 6) e o testemunho de João sobre Jesus (vers. 7-8).
Qual é, pois, a missão de João? De acordo com o nosso texto, é ser o “mensageiro” que prepara o caminho para o “Messias”, “Filho de Deus” (vers. 2). A propósito da apresentação da missão de João, o autor apresenta uma citação que atribui ao Profeta Isaías mas que é, na realidade, um conjunto de afirmações retiradas do Êxodo (cf. Ex 23,20), de Isaías (cf. Is 40,3) e de Malaquias (cf. Mal 3,1): “Vou enviar à tua frente o meu mensageiro, que preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”. A acumulação de citações tiradas da Torah e dos Profetas sugere que João é esse mensageiro de Deus do qual falavam as promessas antigas, e que devia vir anunciar e preparar o Povo de Deus para acolher a intervenção definitiva de Jahwéh na história dos homens.
Em que consistia a pregação de João? João “apareceu no deserto a proclamar um batismo de penitência para remissão dos pecados” (vers. 4). De acordo com a catequese judaica, o Messias só chegaria quando Israel fosse, na verdade, a comunidade santa de Deus… Antes de o Messias chegar, o Povo devia, portanto, realizar um caminho de purificação e de conversão, de forma a tornar-se um Povo santo. O “batismo de penitência” (literalmente, “batismo de conversão” – ou de “metanoia”) proposto por João deve ser entendido neste contexto e representa um convite à mudança radical de vida, de comportamento, de mentalidade.
Este “batismo” proposto por João não era, na verdade, uma novidade insólita. O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água. Era, inclusive, um rito usado na integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade do Povo de Deus. Na perspectiva de João, provavelmente, este “batismo” é um rito de iniciação à comunidade messiânica: quem aceitava este “batismo” passava a viver uma vida nova e aceitava integrar a comunidade do Messias.
A pregação de João é feita “no deserto”. O “deserto” é, no contexto da catequese judaica, o lugar onde o Povo de Deus realizou uma caminhada de purificação e de conversão. Foi no deserto que os israelitas libertados do Egito passaram de uma mentalidade de escravos a uma mentalidade de homens livres, de uma mentalidade de egoísmo a uma mentalidade de partilha, de uma atitude descomprometida a uma Aliança com Jahwéh, da desconfiança em relação à proposta libertadora que Moisés lhes apresentou à confiança total num Deus que cumpre as suas promessas e que é fonte de vida e de liberdade para o seu Povo. A pregação de João lembrava aos israelitas a necessidade de voltar ao “deserto” e de percorrer um caminho semelhante àquele que os antepassados tinham percorrido.
Como é que os interlocutores de João reagiam às suas propostas? Marcos diz que “acorria a Ele toda a gente da região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém” para serem batizados, confessando os seus pecados (vers. 5). A afirmação de que “toda a gente” acorria ao apelo de João parece manifestamente exagerada… Ao apresentar esta perspectiva ideal da forma como a mensagem foi acolhida pelo Povo, Marcos está, provavelmente, a sugerir o caráter decisivo e determinante da proposta que João faz: não é “mais um” convite à conversão, mas é o último e definitivo apelo de Deus ao seu Povo.
João “vestia-se de pêlos de camelo, com um cinto de cabedal em volta dos rins e alimentava-se de gafanhotos e de mel silvestre”. O estilo de vida de João – sóbrio, desprendido, austero, simples – é um convite claro à renúncia aos valores do mundo. É a aplicação prática dessa austeridade de vida e dessa renovação de atitudes, de comportamentos e de mentalidade que João pede aos seus conterrâneos. O estilo de vida de João corrobora a mensagem que ele apresenta.
Além disso, o estilo de vida de João evoca o profeta Elias que, de acordo com 2 Re 1,8, se vestia “de peles” e “trazia um cinto de couro em volta dos rins”. O profeta Elias era, no universo da esperança judaica, o profeta elevado para junto de Deus e destinado a aparecer de novo no meio dos homens para anunciar a chegada iminente da era messiânica (cf. Mal 3,22-24). A identificação física de João com Elias significa que a era messiânica chegou e que João é o mensageiro esperado, cuja mensagem prepara a chegada do Messias libertador.
O que é que João diz sobre esse Messias libertador, do qual ele é o arauto e o mensageiro? João fala da “força” do Messias e define a sua missão como “batiza no Espírito”. Tanto a fortaleza como o dom do Espírito são prerrogativas do Messias, segundo a catequese profética (cf. Is 9,6; 11,2). O Messias terá, portanto, a força de Deus e a sua missão será comunicar esse Espírito de Deus, que transforma, renova e recria os corações dos homens.
Em resumo: João é o mensageiro, enviado por Deus para preparar os homens para a chegada do Messias. A mensagem transmitida por João – com a palavra e com a própria atitude de vida – é um apelo veemente à mudança de vida e de mentalidade, a fim de que a proposta do Messias libertador encontre lugar no coração dos homens. João deixa claro que a missão do Messias é comunicar o Espírito que transforma o homem.

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