quinta-feira, 25 de setembro de 2014

26º DOMINGO DO TEMPO COMUM - ANO A

ELES VOS PRECEDERÃO NO REINO DE DEUS

A liturgia do 26º Domingo do Tempo Comum deixa claro que Deus chama todos os homens e mulheres a empenhar-se na construção desse mundo novo de justiça e de paz que Deus sonhou e que quer propor a todos os homens. Diante da proposta de Deus, nós podemos assumir duas atitudes: ou dizer “sim” a Deus e colaborar com Ele, ou escolher caminhos de egoísmo, de comodismo, de isolamento e demitirmo-nos do compromisso que Deus nos pede. A Palavra de Deus exorta-nos a um compromisso sério e coerente com Deus – um compromisso que signifique um empenho real e exigente na construção de um mundo novo, de justiça, de fraternidade, de paz.

Na primeira leitura, o profeta Ezequiel convida os israelitas exilados na Babilónia a comprometerem-se de forma séria e conseqüente com Deus, sem rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios. Cada crente deve tomar consciência das conseqüências do seu compromisso com Deus e viver, com coerência, as implicações práticas da sua adesão a Jahwéh e à Aliança.

O Evangelho diz como se concretiza o compromisso do crente com Deus… O “sim” que Deus nos pede não é uma declaração teórica de boas intenções, sem implicações práticas; mas é um compromisso firme, coerente, sério e exigente com o Reino, com os seus valores, com o seguimento de Jesus Cristo. O verdadeiro crente não é aquele que “dá boa impressão”, que finge respeitar as regras e que tem um comportamento irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas é aquele que cumpre na realidade da vida a vontade de Deus.

A segunda leitura apresenta aos cristãos de Filipos (e aos cristãos de todos os tempos e lugares) o exemplo de Cristo: apesar de ser Filho de Deus, Cristo não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas assumiu a realidade da fragilidade humana, fazendo-se servidor dos homens para nos ensinar a suprema lição do amor, do serviço, da entrega total da vida por amor. Os cristãos são chamados por Deus a seguir Jesus e a viver do mesmo jeito, na entrega total ao Pai e aos seus projetos. 
1ª leituraEzequiel 18,25-28  
Na verdade, os membros do Povo de Deus que estão exilados na Babilónia não podem “sacudir a água do capote” e presumir de justos e inocentes: não há justos e inocentes neste processo, uma vez que todos, sem exceção, são responsáveis por atitudes de infidelidade a Jahwéh e de desrespeito pelos seus mandamentos. Fará algum sentido que os exilados acusem Jahwéh de ser injusto, depois de terem violado sistematicamente a aliança e terem cometido tantos pecados e infidelidades (vers. 25)?

Para além disso, Israel não pode continuar a esconder-se atrás de uma responsabilidade coletiva, que implica todos, mas não responsabiliza ninguém. Chegou a altura de cada membro do Povo de Deus se sentir pessoalmente responsável diante de Deus pelas suas ações e pelos compromissos assumidos no âmbito da Aliança. Cada membro do Povo de Deus tem de descobrir que, quando fizer escolhas erradas e se obstinar nelas, sofrerá as conseqüências; e que quando abandonar os caminhos de egoísmo e de pecado e optar por Deus e pelos seus valores encontrará a vida (vers. 26-28).

Significa isto que o pecado de um membro da comunidade não afeta os outros irmãos, membros da mesma comunidade? É claro que afeta. O pecado introduz sempre elementos de desequilíbrio, de desarmonia, de egoísmo, de ruptura, que atingem todos aqueles que caminham conosco… Mas o que Ezequiel aqui pretende sublinhar é que cada homem ou mulher tem de sentir-se pessoalmente responsável diante de Deus pelas suas opções e pelos seus atos.
Esta superação da mentalidade coletiva, dando lugar à responsabilidade individual, é um dos grandes progressos na história teológica de Israel. Doravante, o Povo aprenderá a reagir em termos individuais e não em termos de massa. Está aberto o caminho para uma Nova Aliança: uma Aliança que não é feita genericamente com uma comunidade, mas uma Aliança pessoal e interior, feita com cada crente. 
2ª leitura Filipenses 2,1-11 
Na primeira parte (vers. 1-5), Paulo, em tom solene, pede aos altivos romanos que constituem a comunidade de Filipos que não se deixem dominar pelo orgulho, pela auto-suficiência, pela vaidade, pela ambição, que só provocam egoísmo e divisão. Recomenda-lhes que vivam unidos, que se amem e que sejam solidários, pois foi isso que Cristo, não só com palavras, mas com a própria vida, ensinou aos seus discípulos.
Na segunda parte (vers. 6-11), Paulo vai referir-se, com mais pormenor, ao exemplo de Cristo. Para apresentar esse exemplo, Paulo recorre, então, ao tal hino litúrgico, que celebrava a “Kenosis” (“despojamento”) de Cristo e a sua exaltação.
Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos, quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados, têm a iniludível obrigação de comportar-se como Cristo.
O hino começa por aludir sutilmente ao contraste entre Adão (o homem que reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn 3,5-22) e Cristo (o Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.
Em traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”) de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu mesmo foros de escândalo: Ele aceitou uma morte infamante – a morte de cruz – para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projetos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Em conseqüência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história.
É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida que Paulo faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos; esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à vida plena. 
Evangelho Mateus 21,28-32 
A parábola dos dois filhos ilustra duas atitudes diversas diante dos desafios e das propostas de Deus.
O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No contexto familiar da Palestina do tempo de Jesus, trata-se de uma resposta totalmente reprovável, particularmente porque uma atitude deste tipo ia contra todas as convenções sociais… Enchia um pai de vergonha e punha em causa a sua autoridade diante dos familiares, dos amigos, dos vizinhos. No entanto, este primeiro filho acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha (vers. 28-29).
O segundo filho, diante do mesmo convite, respondeu: “vou, sim, senhor”. Deu ao pai uma resposta satisfatória, que não punha em causa a sua autoridade e a sua “honra”. Ficou bem visto diante de todos e todos o consideraram um filho exemplar. No entanto, acabou por não ir trabalhar na vinha (vers. 30).

A questão posta, em seguida, por Jesus, é: “qual dos dois fez a vontade do pai?” A resposta é tão óbvia que os próprios interlocutores de Jesus não têm qualquer receio em dá-la: “o primeiro” (vers. 31).

A parábola ensina que, na perspectiva de Deus, o importante não é quem se comportou bem e não escandalizou os outros; mas, de acordo com a lógica de Deus, o importante é cumprir, realmente, a vontade do pai. Na perspectiva de Deus, não bastam palavras bonitas ou declarações de boas intenções; mas é preciso uma resposta adequada e coerente aos desafios e às propostas do Pai (Deus).

É certo que os fariseus, os sacerdotes, os anciãos do Povo, disseram “sim” a Deus ao aceitar a Lei de Moisés… A sua atitude – como a do filho que disse “sim” e depois não foi trabalhar para a vinha – foi irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas, do ponto de vista do cumprimento da vontade de Deus, a sua atitude foi uma mentira, pois recusaram-se a acolher o convite de João à conversão. Em contrapartida, aqueles que, de acordo com o “política e religiosamente correto” disseram “não” (por exemplo, os cobradores de impostos e as prostitutas), cumpriram a vontade do Pai: acolheram o convite de João à conversão e acolheram a proposta do Reino que Jesus veio apresentar (vers. 32).

Lida no contexto do ministério de Jesus, esta parábola dava uma resposta àqueles que O acusavam de acolher os pecadores e os marginais – isto é, aqueles que, de acordo com as “convenções”, disseram não a Deus. Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, não interessam as convenções externas, mas a atitude interior. O que honra a Deus não é o que cumpre ritos externos e que dá “boa impressão” às massas; mas é o que cumpre a vontade de Deus.
Mais tarde, a comunidade de Mateus leu a mesma parábola numa perspectiva um pouco diversa. Ela serviu para iluminar a recusa do Evangelho por parte dos judeus e o seu acolhimento por parte dos pagãos. Israel seria esse “filho” que aceitou trabalhar na vinha mas, na realidade, não cumpriu a vontade do Pai; os pagãos seriam esse “filho” que, aparentemente, esteve sempre à margem dos projetos do Pai, mas aceitou o Evangelho de Jesus e aderiu ao Reino.



quarta-feira, 10 de setembro de 2014

EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ



Festa da Exaltação da Santa Cruz

A Igreja universal celebra neste domingo a festa da Exaltação da Santa Cruz. É uma festa que se liga à dedicação de duas importantes basílicas construídas em Jerusalém por ordem de Constantino, filho de Santa Helena. Uma foi construída sobre o Monte do Gólgota; por isso, se chama Basílica do Martyrium ou Ad Crucem. A outra foi construída no lugar em que Cristo Jesus foi sepultado pelos discípulos e foi ressuscitado pelo poder de Deus; por isto é chamada Basílica Anástasis, ou seja, Basílica da Ressurreição.
A dedicação destas duas basílicas remonta ao ano 335, quando a Santa Cruz foi exaltada ou apresentada aos fiéis. Encontrada por Santa Helena, foi roubada pelos persas e resgatada pelo imperador Heráclio. Segundo contam, o imperador levou a Santa Cruz às costas desde Tiberíades até Jerusalém, onde a entregou ao Patriarca Zacarias, no dia 3 de Maio de 630. A partir daí a Festa da Exaltação da Santa Cruz passou a ser celebrada no Ocidente. Tal festividade lembra aos cristãos o triunfo de Jesus, vencedor da morte e ressuscitado pelo poder de Deus.
A leitura do Livro dos Números (21,4b-9), nos fala de uma cruz erguida por ordem de Deus, em determinado momento da história da salvação e que tornou-se sinal e garantia de vida para o povo de Deus a caminho. Não é difícil compreender que aquela cruz, sinal de vida e instrumento de salvação para o povo a caminho, foi somente imagem ou figura da cruz de Cristo, sinal e instrumento de vida e da salvação definitiva do novo povo de Deus a caminho. De fato, no altar da cruz, Cristo ofereceu o sacrifício único e definitivo pela salvação de todos os filhos de Deus. Além disso, a presente leitura descreve com simplicidade as principais características do relacionamento mútuo entre Deus e os homens. O diálogo salvífico entre Deus e os homens, é aqui apresentado com duas características básicas:
Da parte de Deus: amor, perdão, compaixão, misericórdia. Mesmo depois de tamanha ingratidão demonstrada pelo seu povo, Deus acolhe a intercessão do seu servo Moisés e perdoa todos os seus filhos.
Da parte do homem: a ingratidão e a insatisfação.De fato, logo depois que Deus os perdoou e interveio em favor da salvação deles, o povo revoltou-se contra Deus e por motivos tão banais, se comparados com o que Deus havia operado gratuitamente em favor de todos. O povo impacientou-se contra Deus e contra Moisés e se pôs a falar: Por que nos fizestes sair do Egito para morrermos no deserto?
Não há pão, falta água e já estamos fartos e com nojo deste alimento miserável. Com extrema rapidez o povo esqueceu os grandes feitos de Deus em favor de sua libertação e, diante das primeiras pequenas dificuldades do caminho para a vida, rebela-se contra Deus, dando uma grande demonstração de sua ingratidão para com o Deus Salvador.
A primeira vista, podemos até nos sentir encorajados a criticar a atitude ingrata do antigo povo, mas certamente encontraremos coisas muito semelhantes em nosso relacionamento pessoal e comunitário com Deus. Ele é nosso tudo. Dele recebemos todas as coisas. Desde a nossa concepção, Deus vem realizando grandes milagres em nosso favor. É muito comum esquecermos de manifestar nossa gratidão por tudo o que recebemos gratuitamente, mas com freqüência, diante das primeiras dificuldades do nosso caminho para a plenitude da vida em Deus, esquecemos toda a bondade de Deus para conosco e nos rebelamos, somos ingratos.
São Paulo ao enviar a carta aos filipenses (2,6-11), quer mostrar-nos como foi o momento da cruz, lugar e situação em que Deus, na pessoa do Filho amado, nos deu sua maior prova de amor. Ainda que nós homens não fôssemos merecedores de nada da parte de Deus, dada nossa condição de escravos do pecado, Jesus esvaziou-se inteiramente de sua condição e humilhou-se, assumindo nossa condição humana e carregou sobre si o peso de nossos pecados, redimindo com sua cruz a humanidade decaída e restaurando em todos nós a dignidade de filhos perdida com o pecado. Naquele gesto da cruz, Jesus além de nos dar a maior prova de amor, dá o exemplo do perfeito relacionamento entre nós filhos e Deus nosso Pai: total obediência e acolhida da sua vontade; perfeito abandono e total confiança no amor misericordioso do Pai.
No Evangelho de João (3,13-17), encontraremos uma releitura, à luz de Cristo, daquela cruz erguida por Moisés no deserto e que foi sinal e instrumento de salvação para o povo de Deus a caminho. São João coloca na boca de Jesus a afirmação: "do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem, tenham a vida eterna". Com estas palavras, Jesus confirma que a cruz não é um simples acidente de caminho, mas uma necessidade na vida de qualquer um de seus seguidores de todos os tempos, pois no plano salvífico do Pai, a plenitude da vida virá somente depois da cruz e da ressurreição. É preciso abraçar com coragem e dignidade a cruz de cada dia, para poder ter a esperança e um dia contemplar Deus face-a-face. Para o novo e definitivo povo de Deus, os batizados, a cruz também é sinal e instrumento de salvação. Nela, todo filho pode saciar sua sede de perdão, misericórdia e reconciliação.
Terminamos nossa reflexão, fixando a atenção na última parte do nosso texto evangélico, pois ele é rico de esperanças para todos nós que ainda estamos caminhando em busca da salvação plena e definitiva: "Deus não enviou seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por Ele". Deus não quer que nenhum dos seus filhos se perca e para realizar este seu sonho em nosso favor, não poupou nem mesmo seu Filho amado, mas o entregou na cruz para nossa salvação. Se Ele nos deu o Filho, que era seu bem mais precioso, poderá nos conceder tudo o resto. Portanto, ainda que nos reconheçamos pecadores e distantes daquilo que o plano de Deus nos pede, podemos continuar caminhando com esperanças e até certa alegria, pois o amor infinito de Deus é capaz de muito mais do podemos sonhar.