4º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B
Deut
18,15-20; Salmo 94 (95); 1 Cor 7, 32-35; Mc 1, 21-28
A liturgia do 4º Domingo do Tempo Comum
garante-nos que Deus não se conforma com os projetos de egoísmo e de morte que
desfeiam o mundo e que escravizam os homens e afirma que Ele encontra formas de
vir ao encontro dos seus filhos para lhes propor um projeto de liberdade e de
vida plena.
A primeira leitura propõe-nos – a partir da
figura de Moisés – uma reflexão sobre a experiência profética. O profeta é
alguém que Deus escolhe, que Deus chama e que Deus envia para ser a sua
“palavra” viva no meio dos homens. Através dos profetas, Deus vem ao encontro
dos homens e apresenta-lhes, de forma bem perceptível, as suas propostas.
O Evangelho mostra como Jesus, o Filho de
Deus, cumprindo o projeto libertador do Pai, pela sua Palavra e pela sua ação,
renova e transformam em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do
egoísmo, do pecado e da morte.
A segunda leitura convida os crentes a
repensarem as suas prioridades e a não deixarem que as realidades transitórias
sejam impeditivas de um verdadeiro compromisso com o serviço de Deus e dos
irmãos.
1ª
Leitura – Deut 18,15-20
ATUALIZAÇÃO
A vocação profética é uma vocação que surge
por iniciativa de Deus. Ninguém é profeta por escolha própria, mas porque Deus
o chama. O profeta tem de ter consciência, antes de mais, que é Deus quem está
por detrás da sua escolha e do seu envio. O profeta não pode assumir uma
atitude de arrogância e de auto-suficiência, mas tem de se sentir um
instrumento humilde através do qual Deus age no mundo.Ao tomar consciência de que é apenas um
instrumento através do qual Deus age no meio da comunidade humana, o profeta
descobre a necessidade de levar muito a sério a missão que lhe foi confiada. O
testemunho profético não é um passatempo ou um compromisso para as horas vagas;
está fora de causa o cruzar os braços e deixar correr. Trata-se de um
compromisso que deve ser assumido e vivido com fidelidade absoluta e total
empenho.Se o profeta é designado para tornar
presente no meio dos homens o projeto de Deus, ele não pode utilizar a missão
em benefício próprio; não deve ceder à tentação de se vender aos poderes do
mundo e pactuar com eles, a fim de concretizar a sua sede de poder e de
protagonismo, não pode “vender a alma ao diabo” para daí tirar algum benefício,
não deve utilizar o seu ministério para se exibir, para ser admirado, para
conseguir sucesso, para promover a sua imagem e obter os aplausos das
multidões. A missão profética tem de estar sempre ao serviço de Deus, dos
planos de Deus, da verdade de Deus, e não ao serviço de esquemas pessoais,
interesseiros e egoístas.
Salmo
94 (95)
2ª
Leitura – 1 Cor 7, 32-35
ATUALIZAÇÃO
Por detrás das afirmações que Paulo faz no
texto que nos é proposto como segunda leitura, está a convicção de que as realidades
terrenas são passageiras e efêmeras e não devem, em nenhum caso, ser
absolutizadas. Não se trata de propor uma evasão do mundo e uma espiritualidade
descarnada, insensível, alheia ao amor, à partilha, à ternura; mas trata-se de
avisar que as realidades desta terra não podem ser o objetivo final e único da
vida do homem. Esta reflexão convida-nos a repensarmos as nossas prioridades, e
a não ancorarmos a nossa vida em realidades transitórias.
A virgindade consagrada, por amor do Reino,
nem sempre é um valor compreendido, à luz dos valores da nossa sociedade.
Paulo, contudo, sublinha o valor da virgindade como valor autêntico, pois
anuncia o mundo novo que há-de vir e disponibiliza para o serviço de Deus e dos
irmãos. É sinal de desprendimento, de doação, de disponibilidade e deve ser
positivamente valorizada. Aqueles que são chamados a viver dessa forma não são
gente estéril e infeliz, alheia às coisas bonitas da vida, mas são pessoas
generosas, que renunciaram a um bem (o matrimônio) em vista da sua entrega a
Deus e aos outros.
EVANGELHO
– Mc 1, 21-28
ATUALIZAÇÃO
O “homem com um espírito impuro” representa
todos os homens e mulheres, de todas as épocas, cujas vidas são controladas por
esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de medo, de exploração,
de exclusão, de injustiça, de ódio, de violência, de pecado. É essa humanidade
prisioneira de uma cultura de morte, que percorre um caminho à margem de Deus e
das suas propostas, que aposta em valores efêmeros e escravizantes ou que
procura a vida em propostas falíveis ou efêmeras. O Evangelho de hoje
garante-nos, porém, que Deus não desistiu da humanidade, que Ele não Se
conforma com o fato de os homens trilharem caminhos de escravidão, e que
insiste em oferecer a todos a vida plena.
Para Marcos, a proposta de Deus torna-se
realidade viva e atuante em Jesus. Ele é o Messias libertador que, com a sua
vida, com a sua palavra, com os seus gestos, com as suas ações, vem propor aos
homens um projeto de liberdade e de vida. Ao egoísmo, Ele contrapõe a doação e
a partilha; ao orgulho e à auto-suficiência, Ele contrapõe o serviço simples e
humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele propõe a tolerância e a
misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele contrapõe o amor sem
limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele contrapõe a vida. O projeto
de Deus, apresentado e oferecido aos homens nas palavras e ações de Jesus, é
verdadeiramente um projeto transformador, capaz de renovar o mundo e de
construir, desde já, uma nova terra de felicidade e de paz. É essa a Boa Nova
que deve chegar a todos os homens e mulheres da terra.
Os discípulos de Jesus são as testemunhas da
sua proposta libertadora. Eles têm de continuar a missão de Jesus e de assumir
a mesma luta de Jesus contra os “demônios” que roubam a vida e a liberdade do
homem, que introduzem no mundo dinâmicas criadoras de sofrimento e de morte.
Ser discípulo de Jesus é percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu e lutar,
se necessário até ao dom total da vida, por um mundo mais humano, mais livre,
mais solidário, mais justo, mais fraterno. Os seguidores de Jesus não podem
ficar de braços cruzados, a olhar para o céu, enquanto o mundo é construído e
dirigido por aqueles que propõem uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a
grave responsabilidade de lutar, objetivamente, contra tudo aquilo que rouba a
vida e a liberdade ao homem.
O texto refere o incômodo do “homem com um
espírito impuro”, diante da presença libertadora de Jesus. O pormenor faz-nos
pensar nas reações agressivas e intolerantes – por parte daqueles que pretendem
perpetuar situações de injustiça e de escravidão – diante do testemunho e do
anúncio dos valores do Evangelho. Apesar da incompreensão e da intolerância de
que são, por vezes, vítimas, os discípulos de Jesus não devem deixar-se
encerrar nas sacristias, mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível
o seu empenho na transformação das realidades políticas, econômicas, sociais,
laborais, familiares.
A luta contra os “demônios” que desfeiam o
mundo e que escravizam os homens nossos irmãos é sempre um processo doloroso,
que gera conflitos, divisões, sofrimento; mas é, também, uma aventura que vale
a pena ser vivida e uma luta que vale a pena travar. Embarcar nessa aventura é
tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens livres.