segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

OS POVOS CAMINHARÃO À TUA LUZ



SOLENIDADE EPFANIA DO SENHOR


Is 60,1-6; Sl 71 (72); Ef 3,2-3a.5-6; Ev – Mt 2,1-12



A liturgia deste domingo celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projeto libertador que o Pai nos queria oferecer, essa “luz” encarnou na nossa história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação, da vida definitiva.

A primeira leitura anuncia a chegada da luz salvadora de Jahwéh, que transfigurará Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo.

No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os “magos” do oriente, representantes de todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem exceção.

A segunda leitura apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a comunidade de Jesus.

1ª Leitura Is 60,1-6

• Como pano de fundo deste texto (e da liturgia deste dia) está à afirmação da eterna preocupação de Deus com a vida e a felicidade desses homens e mulheres a quem Ele criou. Sejam quais forem às voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e presente, acompanhando a caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida definitiva. Esta “fidelidade” de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança… Caminhamos pela vida de cabeça levantada, confiando no amor infinito de Deus e na sua vontade de salvar e libertar o homem.

• É preciso, sem dúvida, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação a que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será que, através de nós, essa “luz” atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e transforma tudo numa nova realidade?

• Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
• Será que na nossa Igreja há espaço para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos que têm a vida destroçada ou que não se comportam de acordo com as regras da Igreja, são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade?

Sl 71 (72)

2ª Leitura Ef 3,2-3a.5-6

• A perspectiva de que Deus tem um projeto de salvação para oferecer ao seu Povo – já enunciada na primeira leitura – tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse projeto. A segunda novidade é que esse projeto não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para ser oferecido a todos os povos, sem exceção.

• A Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Nela, brancos e negros, pobres e ricos, ucranianos ou moldavos – beneficiários todos da ação salvadora e libertadora de Deus – têm lugar em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje no mundo o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens? Na vida das nossas comunidades transparece, realmente, o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor ou de estatuto social?

• Destinatários, todos, do mistério, somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Essa fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade… Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham conosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?

ALELUIA – Mt 2,2

Aleluia. Aleluia.

Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorar o Senhor.

EVANGELHO – Mt 2,1-12

• Em primeiro lugar, meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, o libertador enviado por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até a rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Identificamo-nos com algum destes grupos? Não é fácil “conhecer as Escrituras”, como profissionais da religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao lado?

• Os “magos” são apresentados como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” – isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus? Procuramos perceber nos “sinais” que aparecem no nosso caminho à vontade de Deus?
• Impressiona também, no relato de Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”, deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem, ao nosso computador? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos irmãos?

• Os “magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor.

MARIA DÁ AO MUNDO CRISTO, NOSSA PAZ



SOLENIDADE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS

Num 6,22-27; Sl 66 (67); Gal 4,4-7; Ev  Lc 2,16-21
Neste dia, a liturgia coloca-nos diante de evocações diversas, ainda que todas importantes.
Celebra-se, em primeiro lugar, a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: somos convidados a contemplar a figura de Maria, aquela mulher que, com o seu “sim” ao projeto de Deus, nos ofereceu Jesus, o nosso libertador.
Celebra-se, em segundo lugar, o Dia Mundial da Paz: em 1968, o Papa Paulo VI propôs aos homens de boa vontade que, neste dia, se rezasse pela paz no mundo.
Celebra-se, finalmente, o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse Deus que nos ama, que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.
As leituras que hoje nos são propostas exploram, portanto, estas diversas coordenadas. Elas evocam esta multiplicidade de temas e de celebrações.
Na primeira leitura, sublinha-se a dimensão da presença contínua de Deus na nossa caminhada e recorda-se que a sua bênção nos proporciona a vida em plenitude.
Na segunda leitura, a liturgia evoca, outra vez, o amor de Deus, que enviou o seu Filho ao encontro dos homens para os libertar da escravidão da Lei e para os tornar seus “filhos”. É nessa situação privilegiada de “filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-lhe “abbá” (“papá”).
O Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador de Deus (que se tornou realidade plena no nosso mundo através de Jesus) provoca alegria e felicidade naqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os marginalizados. Convida-nos também a louvar a Deus pelo seu amor e a testemunhar o desígnio libertador de Deus no meio dos homens.
Maria, a mulher que proporcionou o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível aos Project os de Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.
1ª Leitura – Num 6,22-27
Esta “bênção” apresenta-se numa tríplice fórmula, sempre em crescendo (no texto hebraico, a primeira afirmação tem três palavras; a segunda, cinco; a terceira, sete). Em cada uma das fórmulas, é pronunciado o nome de Jahwéh… Ora, pronunciar três vezes o nome do Deus da aliança é dar uma nova atualidade à aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar aos israelitas que é do Deus da aliança que recebem a vida nas suas múltiplas manifestações e que tudo é um dom de Deus.
A cada uma das invocações, correspondem dois pedidos de bênção: “que Jahwéh te abençoe (isto é, que te comunique a sua vida) e te proteja”; “que Jahwéh faça brilhar sobre ti a sua face (hebraísmo que se pode traduzir como ‘que te mostre um rosto sorridente e favorável’) e te conceda a sua graça”; que Jahwéh dirija para ti o seu olhar (hebraísmo que significa ‘olhar para ti com benevolência’, ‘acolher-te’) e te conceda a paz” (em hebraico: ‘shalom’ – no sentido de bem-estar, harmonia, felicidade plena).
Este texto lembra ao israelita que tudo é um dom do amor de Jahwéh e que o Deus da aliança está ao lado do seu Povo em cada dia do ano, oferecendo-lhe a vida plena e a felicidade em abundância.
Salmo 66 (67)
Refrão: Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção.
2ª Leitura – Gal 4,4-7
Como pano de fundo do nosso texto está, portanto, a idéia de que, com a chegada de Jesus, atingimos o centro do tempo salvífico… Em Jesus, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso encontro e materializou-se no meio dos homens; o próprio nome (“Jesus” significa “Jahwéh salva”) que foi dado ao menino por indicação do anjo que anunciou o seu nascimento aponta nesse sentido. Por outro lado, o fato de essa “boa notícia” ser dada, em primeiro lugar, aos pastores (classe marginalizada, considerada impura, pecadora e muito longe de Deus e da salvação) significa que a proposta de Jesus se destina, de forma especial, aos pobres e marginalizados, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Diz-lhes que Deus os ama, que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família.
Definida a questão essencial, atentemos nas atitudes dos intervenientes e na forma como eles respondem à chegada de Jesus…
Em primeiro lugar, repare-se como os pastores, depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, se dirigem “apressadamente” ao encontro do menino. A palavra “apressadamente” sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem Jesus como o único salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É d’Ele e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede.
Em segundo lugar, repare-se como os pastores reagem ao encontro com Jesus… Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a experiência do encontro com Deus libertador tem obrigatoriamente de dar testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma experiência gratificante.
Finalmente, atentemos na atitude de Maria: ela “conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração”. É a atitude de quem é capaz de abismar-se com as ações do Deus libertador, com o amor que Ele manifesta nos seus gestos em favor dos homens. “Observar”, “conservar” e “meditar” significa ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os profetas.
A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude “missionária” dos pastores, que proclamam a ação salvadora de Deus, manifestada no nascimento de Jesus. Estas duas atitudes definem duas coordenadas essenciais daquilo que deve ser a existência do crente.
ALELUIA – Heb 1,1-2
Aleluia. Aleluia.
Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas.
Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por seu Filho.
EVANGELHO – Lc 2,16-21
Como pano de fundo do nosso texto está, portanto, a idéia de que, com a chegada de Jesus, atingimos o centro do tempo salvífico… Em Jesus, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso encontro e materializou-se no meio dos homens; o próprio nome (“Jesus” significa “Jahwéh salva”) que foi dado ao menino por indicação do anjo que anunciou o seu nascimento aponta nesse sentido. Por outro lado, o fato de essa “boa notícia” ser dada, em primeiro lugar, aos pastores (classe marginalizada, considerada impura, pecadora e muito longe de Deus e da salvação) significa que a proposta de Jesus se destina, de forma especial, aos pobres e marginalizados, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Diz-lhes que Deus os ama, que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família.
Definida a questão essencial, atentemos nas atitudes dos intervenientes e na forma como eles respondem à chegada de Jesus…
Em primeiro lugar, repare-se como os pastores, depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, se dirigem “apressadamente” ao encontro do menino. A palavra “apressadamente” sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem Jesus como o único salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É d’Ele e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede.
Em segundo lugar, repare-se como os pastores reagem ao encontro com Jesus… Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a experiência do encontro com Deus libertador tem obrigatoriamente de dar testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma experiência gratificante.
Finalmente, atentemos na atitude de Maria: ela “conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração”. É a atitude de quem é capaz de abismar-se com as ações do Deus libertador, com o amor que Ele manifesta nos seus gestos em favor dos homens. “Observar”, “conservar” e “meditar” significa ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os profetas.
A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude “missionária” dos pastores, que proclamam a ação salvadora de Deus, manifestada no nascimento de Jesus. Estas duas atitudes definem duas coordenadas essenciais daquilo que deve ser a existência do crente.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A NOVA MORADA DE DEUS



SAGRADA FAMÍLIA - ANO B

Eclo 3,2-6.12-14; Sl 127 (128); Col 3,12-21; Ev Mt 2,13-15.19-23
A liturgia deste domingo propõe-nos a família de Jesus, como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares… As leituras fornecem indicações práticas para nos ajudar a construir famílias felizes, que sejam espaços de encontro, de partilha, de fraternidade, de amor verdadeiro.
O Evangelho apresenta uma catequese sobre Jesus e a missão que o Pai lhe confiou; mas, sobretudo, propõe-nos o quadro de uma família exemplar – a família de Nazaré. Nesse quadro há duas coordenadas que são postas em relevo: trata-se de uma família onde existe verdadeiro amor e verdadeira solidariedade entre os seus membros; e trata-se de uma família que escuta Deus e que segue, com absoluta confiança, os caminhos por Ele propostos.
A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e aceitaram ser Homem Novo. Esse amor deve atingir, de forma muito especial, todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais… É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.
1ª Leitura – Eclo 3,2-6.12-14
O Livro de Ben Sira (também chamado “Eclesiástico”) é um livro de caráter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos candidatos a “sábios” um conjunto de indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor é um tal Jesus Ben Sira, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C.…
A época de Jesus Ben Sira é uma época conturbada, para o Povo de Deus. Os selêucidas dominavam a Palestina e procuravam impor aos judeus, com agressividade, a cultura helênica. Muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade”. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Neste contexto, Jesus Ben Sira – um “sábio” tradicional – escreve para preservar as raízes do seu Povo. No seu livro, apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para a felicidade.
2ª Leitura – Col 3,12-21
A Igreja de Colossos, destinatária desta carta, foi fundada por Epafras, um amigo de Paulo, pelos anos 56/57. Tanto quanto sabemos, Paulo nunca visitou a comunidade…
Hoje, não é claro para todos que Paulo tenha escrito esta carta (o vocabulário utilizado e o estilo do autor estão longe das cartas indiscutivelmente paulinas; também a teologia apresenta elementos novos, nunca usados nas outras cartas atribuídas a Paulo); por isso, é um tanto ou quanto difícil definirmos o ambiente em que este texto apareceu…
Para os defensores da autoria paulina, contudo, a carta foi escrita quando Paulo estava prisioneiro, possivelmente em Roma (anos 61/63). Epafras teria visitado o apóstolo na prisão e deixado notícias alarmantes: os colossenses corriam o risco de se afastar da verdade do Evangelho, por causa das doutrinas ensinadas por certos doutores de Colossos. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas (o que parece indicar tendências judaizantes) com especulações acerca do culto dos anjos e do seu papel na salvação; exigiam um ascetismo rígido e o cumprimento de certos ritos de iniciação, destinados a comunicar aos crentes um conhecimento mais adequado dos mistérios ocultos e levá-los, através dos vários graus de iniciação, à vivência de uma vida religiosa mais autêntica.
Sem refutar essas doutrinas de modo direto, o autor da carta afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
O texto que nos é hoje proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (1ª parte), o autor avisa os colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (2ª parte): implica a renúncia ao “homem velho” do egoísmo e do pecado e o “revestir-se do Homem Novo”.
ALELUIA – Col 3,15a.16ª
Aleluia. Aleluia.
Reine em vossos corações a paz de Cristo, habite em vós a sua palavra.
EVANGELHO – Mt 2,13-15.19-23
O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso, conservaram especialmente as recordações sobre a vida pública e a paixão do Senhor.
Só num estádio posterior houve certa curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, algumas escassas informações históricas sobre a infância de Jesus e amassou-se esse material com reflexões e com a catequese que a comunidade fazia acerca de Jesus. O chamado “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto que nos é hoje proposto) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do Evangelho (cf. Mt 1-2), Mateus está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em fazer uma reportagem histórica sobre a sua infância.
Para compor o “Evangelho da Infância”, Mateus serviu-se de motivos e recursos literários que se utilizavam na literatura judia e helenística para contar a infância de heróis: misteriosos relatos de anunciação, ameaças contra a sua vida, intervenção de Deus, sinais extraordinários. Mateus serviu-se, ainda, de um recurso muito utilizado pelos escritores judaicos – o “midrash haggádico” (que consistia em comentar um texto da Escritura através de um pequeno relato). A diferença entre Mateus e os escritores judaicos é que, enquanto estes partiam de um texto da Escritura, o evangelista parte da figura de Jesus.
O nosso texto não deve, portanto, ser visto como uma informação histórica, mas como uma construção artificiosa, destinada a responder à questão: “quem é Jesus?”.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

UMA LUZ QUE BRILHARÁ



NATAL DO SENHOR (NOITE)

Is 9,1-3.5-6; SI 95; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14
Segundo as escrituras, Jesus nasce á noite, no romper da aurora de um novo dia (Lc 2,8). Essa referência ao momento do nascimento de Jesus não se refere propriamente ao horário, tempo, mas ao novo que ele vem inaugurar. Seu nascimento carrega não só nossa esperança, mas instaura de forma definitiva, na história, a salvação que Deus nos preparou. Por essa razão, a memória do nascimento de Jesus (encarnação) liga-se à memória de sua ressurreição, pela qual, por seu livre e espontâneo desejo, Deus nos comunica sua vida. Cristo está no centro do mistério da redenção: por ele Deus se faz humano e, também nele e por ele, a humanidade se torna divina, isto é, família dos(das) filhos(as) de Deus!
Um messias de reconciliação
O anúncio do nascimento de um salvador requer que seus destinatários assumam nova postura, fugindo à passividade. O texto de Isafas proclamado na liturgia do natal está impregnado de referências a guerras, batalhas, violência. Vive-se uma expectativa de salvação aos moldes exigidos pelo conflito: um salvador guerreiro.
No entanto, o texto desenvolve-se num sentido diferente. O salvador esperado opõe a luz (vida/justiça) às trevas (guerras/conflitos). Sua batalha não se desenvolve no sentido de destruir a vida de seus oponentes. A ação do salvador esperado destrói os elementos de morte e violência (v. 3-4). Ele não tem a força de um soldado, mas a fragilidade e ternura de uma criança (v. 5), características com as quais poderá reunir os povos.
Sua presença não incita as partes ao combate, mas à reconciliação. Por isso, seus títulos - conselheiro admirável, Deus forte, pai dos tempos futuros, príncipe da paz - dão o sentido de sua salvação. A vitória não se dará na perspectiva de gente destruindo gente, mas numa batalha pessoal. Cada pessoa deverá superar sua sede de poder e de riqueza, colocando-se em atitude de diálogo, aproximação e reconciliação. Não será o reinado da dominação dos mais fortes sobre os mais fracos. Será tempo da fraternidade, compreendida como justiça e santidade (v. 6), com as quais uns se preocupam com os outros, deixando de se ver como inimigos.
A paz conquistada pela força das armas é sempre uma paz instável. Ela comporta a submissão de pessoas, povos que é fermento de revolta e combustível para novas batalhas. A estabilidade do reino de paz do messias não vem de sua força guerreira. Sua força está no amor que move os corações para o bem, para a fraternidade. Por isso, em última instância, Deus será a garantia da paz definitiva.
Nascido entre os pequenos
A narrativa do nascimento de Jesus, em Lucas, segue algumas características da profecia de Isafas. A referência ao recenseamento mostra uma situação de exploração e de instabilidade, porque a contagem da população servia para o cálculo dos impostos e para o recrutamento de soldados. Por isso, na ótica dos romanos vivia-se uma guerra e do lado dos dominados experimentava-se a opressão.
Essa situação gerava instabilidade nas famílias. Maria, mesmo estando grávida, tem de se deslocar com José para Belém, centro do orgulho de Israel. No entanto, ali não encontra lugar (v. 7c). O casal tem de se «virar” na periferia da vida. O relato cresce em sentido inverso do que se esperava em Jerusalém. O silêncio e a escuridão da manjedoura se contrastam com as pompas e luxo da corte. É nesse ambiente escondido que Cristo nasce.
De forma breve o texto nos diz: ‘Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura” (v. 7ab). Ele nasce na normalidade da vida dos pobres. Aí, não existe aparente novidade, a não ser as esperanças e expectativas normais que o nascimento de uma criança pode trazer. Parece que Lucas, ao descrever essa cena, deseja convidar-nos a nascer de novo com Cristo. Deixar nossas riquezas e posições e fazer a caminhada para Belém. Ver e encarar a realidade e a vida com os olhos dos simples. Deus é simples e nos quer simples.
A imagem triunfal do anúncio do Anjo aos pastores contrasta-se com a cena do presépio escondido em que está depositado o salvador da humanidade. A situação do presépio é a mesma dos pastores. Dormem ao relento na escuridão, misturados com os animais. É o olhar dessa gente que ali na escuridão da vida, em sua simplicidade e necessidade, conseguirá ver naquele recém-nascido o salvador do mundo (glória de Deus). É o jeito de Deus se revelar: fazer brotar vida e dignidade onde a esperança agoniza. Esse é o sentido do deslocamento do brilho e da luz. Não é o presépio que se encontra no escuro. A corte romana e sacerdotal encontra-se no escuro. Cega por interesses de poder e riquezas não será capaz de ver, na simplicidade da vida, um Deus que se revela e vem ao encontro dos simples e pequenos. O nasciment.o de Jesus torna-se para eles convite à conversão e, para os pastores, esperança de redenção.
Jesus nos revela o rosto da humanidade
O nascimento de Jesus, associado à sua ressurreição, é a plena revelação de Deus para nós. A vinda dele entre nós revela não só o rosto de Deus, mas também o rosto da humanidade. Ele vem trazer a salvação universal (2a leitura), porém, para que a humanidade se aproprie dessa salvação, deverá passar por um processo de purificação (v. 13). Abandonar a impiedade e as paixões mundanas. Viver com equilíbrio, justiça e piedade. Elementos fundamentais de uma esperança ativa, que não se acomoda com a fraqueza e debilidade da humanidade.
A celebração do Natal é convite à simplicidade, fraternidade, paz. Não é mera esperança de mudança de estruturas ou coisas. Ela nos pede mudança de coração. O Deus eterno se faz humano para olhar as coisas com os nossos olhos. Somos, assim, chamados á proximidade de Deus, para acolhê-lo em nossa vida e ver tudo com olhar amoroso, que nos faz ter o mesmo olhar de Deus. Antes de ser festa de presentes e outras coisas, a celebração do Natal que ser festa da vida e da esperança de vida para todos, assim como Deus quer.