17º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B
A
liturgia do 17º domingo Comum dá-nos conta da preocupação de Deus em saciar a
“fome” de vida dos homens. De forma especial, as leituras deste domingo
dizem-nos que Deus conta conosco para repartir o seu “pão” com todos aqueles
que têm “fome” de amor, de liberdade, de justiça, de paz, de esperança.
Na
primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido
com as pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a “fome”
do mundo; e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através dos gestos
de partilha e de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são
convidados a realizar.
O
Evangelho repete o mesmo tema. Jesus, o Deus que veio ao encontro dos homens,
dá conta da “fome” da multidão que O segue e propõe-Se libertá-la da sua
situação de miséria e necessidade. Aos discípulos (aqueles que vão continuar
até ao fim dos tempos a mesma missão que o Pai lhe confiou), Jesus convida a
despirem a lógica do egoísmo e a assumirem uma lógica de partilha, concretizada
no serviço simples e humilde em benefício dos irmãos. É esta lógica que permite
passar da escravidão à liberdade; é esta lógica que fará nascer um mundo novo.
Na
segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã.
Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são
atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de
auto-suficiência, de preconceito em relação aos irmãos.
1ª Leitura - Rs 4,42-44
Naqueles dias: Veio
também um homem de Baal-Salisa, trazendo em seu alforje para Eliseu, o homem de
Deus, pães dos primeiros frutos da terra: eram vinte pães de cevada e trigo
novo. E Eliseu disse: 'Dá ao povo para que coma'. Mas o seu servo
respondeu-lhe: 'Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?' Eliseu disse
outra vez: 'Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: 'Comerão e ainda
sobrará` '. O homem distribuiu e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor.
ATUALIZAÇÃO
• O
“profeta” é um homem chamado por Deus e enviado a ser o rosto de Deus no meio
do mundo. Nas palavras e nos gestos do “profeta”, é Deus que Se manifesta aos
homens e que lhes indica a sua vontade e as suas propostas. No gesto de
repartir o pão para saciar a fome das pessoas, o “profeta” manifesta a eterna
preocupação de Deus com a “fome” do mundo (fome de pão, fome de liberdade, fome
de dignidade, fome de realização plena, fome de amor, fome de paz…) e a sua
vontade de dar aos homens vida em abundância… Não tenhamos dúvidas: Deus
preocupa-Se, todos os dias, em oferecer aos seus filhos vida em abundância. É
Deus que nos dá, dia a dia, o pão que mata a nossa fome de vida.
• Como
é que Deus atua para saciar a fome de vida dos homens? É fazendo chover do céu,
milagrosamente, o “pão” de que o homem necessita? A nossa primeira leitura
sugere que Deus atua de forma mais simples e mais normal… É através da
generosidade e da partilha dos homens (primeiro do homem que decide oferecer o
fruto do seu trabalho; depois, do profeta que manda distribuir o alimento) que
o “pão” chega aos necessitados. Normalmente, Deus serve-Se dos homens para
intervir no mundo e para fazer chegar ao mundo os seus dons. Muitas vezes
sonhamos com gestos espetaculares de Deus e vivemos de olhos fixos no céu à
espera que Deus Se digne intervir no mundo; e acabamos por não perceber que
Deus já veio ao nosso encontro e que Ele Se manifesta na ação generosa de
tantos homens e mulheres que praticam, sem publicidade, gestos de partilha, de
solidariedade, de doação, de entrega. É preciso aprendermos a detectar a
presença e o amor de Deus nesses gestos simples que todos os dias testemunhamos
e que ajudam a construir um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário.
• Ao
mostrar que é através das ações dos homens que Deus sacia a fome do mundo, o
nosso texto convida-nos ao compromisso. Deus precisa de nós, da nossa
generosidade e bondade, para ir ao encontro dos nossos irmãos necessitados e
para lhes oferecer vida em abundância. Nós, os crentes, somos chamados a ser –
como o profeta Eliseu – testemunhas desse Deus que quer partilhar com os homens
o seu “pão”; e esse “pão” de Deus deve derramar-se sobre os nossos irmãos nos nossos
gestos de partilha, de generosidade, de solidariedade, de amor sem limites.
Salmo 144
Saciai
os vossos filhos, ó Senhor!
Que vossas obras, ó Senhor, vos glorifiquem,*
e os vossos santos com louvores vos bendigam!
Narrem a glória e o esplendor do vosso reino*
e saibam proclamar vosso poder!
Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam*
e vós lhes dais no tempo certo o alimento;
vós abris a vossa mão prodigamente*
e saciais todo ser vivo com fartura.
É justo o Senhor em seus caminhos,*
é santo em toda obra que ele faz.
Ele está perto da pessoa que o invoca,*
de todo aquele que o invoca lealmente.
2ª Leitura - Ef 4,1-6
Irmãos: Eu, prisioneiro
no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: Com
toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no
amor. Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só
Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes
chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio
de todos e permanece em todos.
ATUALIZAÇÃO
• A
Igreja é um “corpo” – o “Corpo de Cristo”. Naturalmente, esse “corpo” é formado
por muitos membros, todos eles diversos; mas todos eles dependem de Cristo (a
“cabeça” desse “corpo”) e recebem d’Ele a mesma vida. Formam, portanto, uma
unidade… Têm o mesmo Pai (Deus), têm um projeto comum (o projeto de Jesus), têm
o mesmo objetivo (fazer parte da família de Deus e encontrar a vida em
plenitude), caminham na mesma direção animados pelo mesmo Espírito, têm a mesma
missão (dar testemunho no mundo do projeto de amor que Deus tem para os
homens). Neste esquema, não fazem qualquer sentido as divisões, os ciúmes, as
rivalidades, as invejas, os ódios, as divergências que tantas vezes dividem os
irmãos da mesma comunidade. Quando os irmãos não se esforçam por caminhar
unidos, provavelmente ainda não descobriram os fundamentos da sua fé. A minha
comunidade (cristã ou religiosa) é uma comunidade que caminha unida e
solidária, partilhando a vida e o amor, apesar das diferenças legítimas dos
seus membros? Em termos pessoais, sinto-me um construtor de unidade, ou um fator
de divisão?
• Para
que a unidade seja possível, Paulo recomenda aos destinatários da Carta aos
Efésios a humildade, a mansidão e a paciência. São atitudes que não se coadunam
com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preconceito em
relação aos irmãos. Como é que eu me situo face aos outros? A minha relação com
os irmãos é marcada pelo egoísmo ou pela disponibilidade para servir e
partilhar? Procuro estar atento às necessidades dos outros e ir ao seu
encontro, ou levanto muros de orgulho e de auto-suficiência que impedem a
relação, a comunhão, a comunicação? Estou aberto às diferenças e disposto a
dialogar, ou vivo entrincheirado nos meus preconceitos, catalogando e
marginalizando aqueles que não concordam comigo?
• A
Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de pessoas muito diferentes,
em termos de raça, de cultura, de língua, de condição social ou econômica, de
maneiras de ser... As diferenças legítimas nunca devem ser vistas como algo
negativo, mas como uma riqueza para a vida da comunidade; não devem levar ao
conflito e à divisão, mas a uma unidade cada vez mais estreita, construída no
respeito e na tolerância. A diversidade é um valor, que não pode nem deve
anular a unidade e o amor dos irmãos.
Evangelho Jo 6,1-15
Naquele tempo: Jesus foi para o outro lado do mar
da Galiléia, também chamado de Tiberíades. Uma grande multidão o seguia, porque
via os sinais que ele operava a favor dos doentes. Jesus subiu ao monte e
sentou-se aí, com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos
judeus. Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava vindo
ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: 'Onde vamos comprar pão para que eles
possam comer?' Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito
bem o que ia fazer. Filipe respondeu: 'Nem duzentas moedas de prata bastariam para
dar um pedaço de pão a cada um'. Um dos discípulos, André, o irmão de
Simão Pedro, disse: 'Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois
peixes. Mas o que é isso para tanta gente?' Jesus disse: 'Fazei sentar as
pessoas'. Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente,
cinco mil homens. Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que
estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. Quando
todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: 'Recolhei os pedaços que
sobraram, para que nada se perca!' Recolheram os pedaços e encheram doze
cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido. Vendo o
sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: 'Este é
verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo'. Mas, quando notou que
estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo,
sozinho, para o monte.
ATUALIZAÇÃO
• Jesus
é o Deus que Se revestiu da nossa humanidade e veio ao nosso encontro para nos
revelar o seu amor. O seu projeto – projeto que Ele concretizou em cada palavra
e em cada gesto enquanto percorreu, com os seus discípulos, as vilas e aldeias
da Palestina – consiste em libertar os homens de tudo aquilo que os oprime e
lhes rouba a vida. O nosso texto mostra Jesus atento às necessidades da multidão,
empenhado em saciar a fome de vida dos homens, preocupado em apontar-lhes o
caminho que conduz da escravidão à liberdade. A atitude de Jesus é, para nós,
uma expressão clara do amor e da bondade de um Deus sempre atento às
necessidades do seu Povo. Garante-nos que, ao longo do caminho da vida, Deus
vai ao nosso lado, atento aos nossos dramas e misérias, empenhado em satisfazer
as nossas necessidades, preocupado em dar-nos o “pão” que sacia a nossa fome de
vida. A nós, compete-nos abrir o coração ao seu amor e acolher as propostas
libertadoras que Ele nos faz.
• A
“fome” de pão que a multidão sente e que Jesus quer saciar é um símbolo da fome
de vida que faz sofrer tantos dos nossos irmãos… Os que têm “fome” são aqueles
que são explorados e injustiçados e que não conseguem libertar-se; são os que
vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem amor; são os que têm que deixar
a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua, um ambiente estranho para
poderem oferecer condições de subsistência à sua família; são os
marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da sua pele, por causa
do seu estatuto social ou econômico, ou por não terem acesso à educação e aos
bens culturais de que a maioria desfruta; são as crianças vítimas da violência
e da exploração; são as vítimas da economia global, cuja vida dança ao sabor
dos interesses das multinacionais; são as vítimas do imperialismo e dos
interesses dos grandes do mundo… É a esses e a todos os outros que têm “fome”
de vida e de felicidade, que a proposta de Jesus se dirige.
• No
nosso Evangelho, Jesus dirige-Se aos seus discípulos e diz-lhes: “dai-lhes vós
mesmos de comer”. Os discípulos de Jesus são convidados a continuar a missão de
Jesus e a distribuírem o “pão” que mata a fome de vida, de justiça, de liberdade,
de esperança, de felicidade de que os homens sofrem. Depois disto, nenhum
discípulo de Jesus pode olhar tranquilamente os seus irmãos com “fome” e dizer
que não tem nada com isso… Os discípulos de Jesus são convidados a
responsabilizarem-se pela “fome” dos homens e a fazerem tudo o que está ao seu
alcance para devolver a vida e a esperança a todos aqueles que vivem na
miséria, no sofrimento, no desespero.
• No
nosso Evangelho, os discípulos constatam que, recorrendo ao sistema econômico
vigente, é impossível responder à “fome” dos necessitados. O sistema
capitalista vigente – que, quando muito, distribui a conta gotas migalhas da
riqueza para adormecer a revolta dos explorados – será sempre um sistema que se
apóia na lógica egoísta do lucro e que só cria mais opressão, mais dependência,
mais necessidade. Não chega criar melhores programas de assistência social ou
programas de rendimento mínimo garantido, ou outros sistemas que apenas
perpetuam a injustiça… Os discípulos de Jesus têm de encontrar outros caminhos
e de propor ao mundo que adote outros valores. Quais?
• Jesus
propõe algo de realmente novo: propõe uma lógica de partilha. Os discípulos de
Jesus são convidados a reconhecer que os bens são um dom de Deus para todos os
homens e que pertencem a todos; são convidados a quebrar a lógica do
açambarcamento egoísta dos bens e a pôr os dons de Deus ao serviço de todos.
Como resultado, não se obtém apenas a saciedade dos que têm fome, mas um novo
relacionamento fraterno entre quem dá e quem recebe, feito de reconhecimento e
harmonia que enriquece ambos e é o pressuposto de uma nova ordem, de um novo
relacionamento entre os homens. É esta a proposta de Deus; e é disto que os
discípulos são chamados a dar testemunho.
• Os
discípulos de Jesus não podem, contudo, dirigir-se aos irmãos necessitados
olhando-os “do alto”, instalados nos seus esquemas de poder e autoridade,
usando a caridade como instrumento de apoio aos seus projetos pessoais, ou
exigindo algo em troca… Os discípulos de Jesus devem ser um grupo humilde (a
“criança” do Evangelho), sem pretensão alguma de poder e de domínio, e que
apenas está preocupado em servir os irmãos com “fome”.
• O
que resulta da proposta de Jesus é uma humanidade totalmente livre da
escravidão dos bens. Os necessitados tornam-se livres porque têm o necessário
para viverem uma vida digna e humana; os que repartem os bens libertam-se da
lógica egoísta dos bens e da escravidão do dinheiro e descobrem a liberdade do
amor e do serviço.
• No
final, os discípulos são convidados a recolher os restos, que devem servir para
outras “multiplicações”. A tarefa dos discípulos de Jesus é uma tarefa nunca
acabada, que deverá recomeçar em qualquer tempo e em qualquer lugar onde haja
um irmão “com fome”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário