segunda-feira, 20 de julho de 2015

O PÃO DOS POBRES

17º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B
1ª Leitura - 2Rs 4,42-44; Sl 144; 2ª Leitura Ef 4,1-6; Evangelho Jo 6,1-15
A liturgia do 17º domingo Comum dá-nos conta da preocupação de Deus em saciar a “fome” de vida dos homens. De forma especial, as leituras deste domingo dizem-nos que Deus conta conosco para repartir o seu “pão” com todos aqueles que têm “fome” de amor, de liberdade, de justiça, de paz, de esperança.
Na primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido com as pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a “fome” do mundo; e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através dos gestos de partilha e de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são convidados a realizar.
O Evangelho repete o mesmo tema. Jesus, o Deus que veio ao encontro dos homens, dá conta da “fome” da multidão que O segue e propõe-Se libertá-la da sua situação de miséria e necessidade. Aos discípulos (aqueles que vão continuar até ao fim dos tempos a mesma missão que o Pai lhe confiou), Jesus convida a despirem a lógica do egoísmo e a assumirem uma lógica de partilha, concretizada no serviço simples e humilde em benefício dos irmãos. É esta lógica que permite passar da escravidão à liberdade; é esta lógica que fará nascer um mundo novo.
Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã. Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preconceito em relação aos irmãos.
1ª Leitura - Rs 4,42-44
Naqueles dias: Veio também um homem de Baal-Salisa, trazendo em seu alforje para Eliseu, o homem de Deus, pães dos primeiros frutos da terra: eram vinte pães de cevada e trigo novo. E Eliseu disse: 'Dá ao povo para que coma'. Mas o seu servo respondeu-lhe: 'Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?' Eliseu disse outra vez: 'Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: 'Comerão e ainda sobrará` '. O homem distribuiu e ainda sobrou, conforme a palavra do Senhor.
ATUALIZAÇÃO
• O “profeta” é um homem chamado por Deus e enviado a ser o rosto de Deus no meio do mundo. Nas palavras e nos gestos do “profeta”, é Deus que Se manifesta aos homens e que lhes indica a sua vontade e as suas propostas. No gesto de repartir o pão para saciar a fome das pessoas, o “profeta” manifesta a eterna preocupação de Deus com a “fome” do mundo (fome de pão, fome de liberdade, fome de dignidade, fome de realização plena, fome de amor, fome de paz…) e a sua vontade de dar aos homens vida em abundância… Não tenhamos dúvidas: Deus preocupa-Se, todos os dias, em oferecer aos seus filhos vida em abundância. É Deus que nos dá, dia a dia, o pão que mata a nossa fome de vida.
• Como é que Deus atua para saciar a fome de vida dos homens? É fazendo chover do céu, milagrosamente, o “pão” de que o homem necessita? A nossa primeira leitura sugere que Deus atua de forma mais simples e mais normal… É através da generosidade e da partilha dos homens (primeiro do homem que decide oferecer o fruto do seu trabalho; depois, do profeta que manda distribuir o alimento) que o “pão” chega aos necessitados. Normalmente, Deus serve-Se dos homens para intervir no mundo e para fazer chegar ao mundo os seus dons. Muitas vezes sonhamos com gestos espetaculares de Deus e vivemos de olhos fixos no céu à espera que Deus Se digne intervir no mundo; e acabamos por não perceber que Deus já veio ao nosso encontro e que Ele Se manifesta na ação generosa de tantos homens e mulheres que praticam, sem publicidade, gestos de partilha, de solidariedade, de doação, de entrega. É preciso aprendermos a detectar a presença e o amor de Deus nesses gestos simples que todos os dias testemunhamos e que ajudam a construir um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário.
• Ao mostrar que é através das ações dos homens que Deus sacia a fome do mundo, o nosso texto convida-nos ao compromisso. Deus precisa de nós, da nossa generosidade e bondade, para ir ao encontro dos nossos irmãos necessitados e para lhes oferecer vida em abundância. Nós, os crentes, somos chamados a ser – como o profeta Eliseu – testemunhas desse Deus que quer partilhar com os homens o seu “pão”; e esse “pão” de Deus deve derramar-se sobre os nossos irmãos nos nossos gestos de partilha, de generosidade, de solidariedade, de amor sem limites.
Salmo 144
Saciai os vossos filhos, ó Senhor!
Que vossas obras, ó Senhor, vos glorifiquem,*
e os vossos santos com louvores vos bendigam!
Narrem a glória e o esplendor do vosso reino*
e saibam proclamar vosso poder!
Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam*
e vós lhes dais no tempo certo o alimento;
vós abris a vossa mão prodigamente*
e saciais todo ser vivo com fartura.
É justo o Senhor em seus caminhos,*
é santo em toda obra que ele faz.
Ele está perto da pessoa que o invoca,*
de todo aquele que o invoca lealmente.
2ª Leitura - Ef 4,1-6
Irmãos: Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: Com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos.

ATUALIZAÇÃO
• A Igreja é um “corpo” – o “Corpo de Cristo”. Naturalmente, esse “corpo” é formado por muitos membros, todos eles diversos; mas todos eles dependem de Cristo (a “cabeça” desse “corpo”) e recebem d’Ele a mesma vida. Formam, portanto, uma unidade… Têm o mesmo Pai (Deus), têm um projeto comum (o projeto de Jesus), têm o mesmo objetivo (fazer parte da família de Deus e encontrar a vida em plenitude), caminham na mesma direção animados pelo mesmo Espírito, têm a mesma missão (dar testemunho no mundo do projeto de amor que Deus tem para os homens). Neste esquema, não fazem qualquer sentido as divisões, os ciúmes, as rivalidades, as invejas, os ódios, as divergências que tantas vezes dividem os irmãos da mesma comunidade. Quando os irmãos não se esforçam por caminhar unidos, provavelmente ainda não descobriram os fundamentos da sua fé. A minha comunidade (cristã ou religiosa) é uma comunidade que caminha unida e solidária, partilhando a vida e o amor, apesar das diferenças legítimas dos seus membros? Em termos pessoais, sinto-me um construtor de unidade, ou um fator de divisão?
• Para que a unidade seja possível, Paulo recomenda aos destinatários da Carta aos Efésios a humildade, a mansidão e a paciência. São atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preconceito em relação aos irmãos. Como é que eu me situo face aos outros? A minha relação com os irmãos é marcada pelo egoísmo ou pela disponibilidade para servir e partilhar? Procuro estar atento às necessidades dos outros e ir ao seu encontro, ou levanto muros de orgulho e de auto-suficiência que impedem a relação, a comunhão, a comunicação? Estou aberto às diferenças e disposto a dialogar, ou vivo entrincheirado nos meus preconceitos, catalogando e marginalizando aqueles que não concordam comigo?
• A Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de pessoas muito diferentes, em termos de raça, de cultura, de língua, de condição social ou econômica, de maneiras de ser... As diferenças legítimas nunca devem ser vistas como algo negativo, mas como uma riqueza para a vida da comunidade; não devem levar ao conflito e à divisão, mas a uma unidade cada vez mais estreita, construída no respeito e na tolerância. A diversidade é um valor, que não pode nem deve anular a unidade e o amor dos irmãos.
Evangelho Jo 6,1-15

Naquele tempo: Jesus foi para o outro lado do mar da Galiléia, também chamado de Tiberíades. Uma grande multidão o seguia,  porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes. Jesus subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus. Levantando os olhos,  e vendo que uma grande multidão estava vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: 'Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?' Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito bem o que ia fazer. Filipe respondeu: 'Nem duzentas moedas de prata bastariam para dar um pedaço de pão a cada um'. Um dos discípulos, André, o irmão de Simão Pedro, disse: 'Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?' Jesus disse: 'Fazei sentar as pessoas'. Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram, aproximadamente, cinco mil homens. Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: 'Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!' Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido. Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: 'Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo'. Mas, quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus retirou-se de novo, sozinho, para o monte.
ATUALIZAÇÃO
• Jesus é o Deus que Se revestiu da nossa humanidade e veio ao nosso encontro para nos revelar o seu amor. O seu projeto – projeto que Ele concretizou em cada palavra e em cada gesto enquanto percorreu, com os seus discípulos, as vilas e aldeias da Palestina – consiste em libertar os homens de tudo aquilo que os oprime e lhes rouba a vida. O nosso texto mostra Jesus atento às necessidades da multidão, empenhado em saciar a fome de vida dos homens, preocupado em apontar-lhes o caminho que conduz da escravidão à liberdade. A atitude de Jesus é, para nós, uma expressão clara do amor e da bondade de um Deus sempre atento às necessidades do seu Povo. Garante-nos que, ao longo do caminho da vida, Deus vai ao nosso lado, atento aos nossos dramas e misérias, empenhado em satisfazer as nossas necessidades, preocupado em dar-nos o “pão” que sacia a nossa fome de vida. A nós, compete-nos abrir o coração ao seu amor e acolher as propostas libertadoras que Ele nos faz.
• A “fome” de pão que a multidão sente e que Jesus quer saciar é um símbolo da fome de vida que faz sofrer tantos dos nossos irmãos… Os que têm “fome” são aqueles que são explorados e injustiçados e que não conseguem libertar-se; são os que vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem amor; são os que têm que deixar a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua, um ambiente estranho para poderem oferecer condições de subsistência à sua família; são os marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da sua pele, por causa do seu estatuto social ou econômico, ou por não terem acesso à educação e aos bens culturais de que a maioria desfruta; são as crianças vítimas da violência e da exploração; são as vítimas da economia global, cuja vida dança ao sabor dos interesses das multinacionais; são as vítimas do imperialismo e dos interesses dos grandes do mundo… É a esses e a todos os outros que têm “fome” de vida e de felicidade, que a proposta de Jesus se dirige.
• No nosso Evangelho, Jesus dirige-Se aos seus discípulos e diz-lhes: “dai-lhes vós mesmos de comer”. Os discípulos de Jesus são convidados a continuar a missão de Jesus e a distribuírem o “pão” que mata a fome de vida, de justiça, de liberdade, de esperança, de felicidade de que os homens sofrem. Depois disto, nenhum discípulo de Jesus pode olhar tranquilamente os seus irmãos com “fome” e dizer que não tem nada com isso… Os discípulos de Jesus são convidados a responsabilizarem-se pela “fome” dos homens e a fazerem tudo o que está ao seu alcance para devolver a vida e a esperança a todos aqueles que vivem na miséria, no sofrimento, no desespero.
• No nosso Evangelho, os discípulos constatam que, recorrendo ao sistema econômico vigente, é impossível responder à “fome” dos necessitados. O sistema capitalista vigente – que, quando muito, distribui a conta gotas migalhas da riqueza para adormecer a revolta dos explorados – será sempre um sistema que se apóia na lógica egoísta do lucro e que só cria mais opressão, mais dependência, mais necessidade. Não chega criar melhores programas de assistência social ou programas de rendimento mínimo garantido, ou outros sistemas que apenas perpetuam a injustiça… Os discípulos de Jesus têm de encontrar outros caminhos e de propor ao mundo que adote outros valores. Quais?
• Jesus propõe algo de realmente novo: propõe uma lógica de partilha. Os discípulos de Jesus são convidados a reconhecer que os bens são um dom de Deus para todos os homens e que pertencem a todos; são convidados a quebrar a lógica do açambarcamento egoísta dos bens e a pôr os dons de Deus ao serviço de todos. Como resultado, não se obtém apenas a saciedade dos que têm fome, mas um novo relacionamento fraterno entre quem dá e quem recebe, feito de reconhecimento e harmonia que enriquece ambos e é o pressuposto de uma nova ordem, de um novo relacionamento entre os homens. É esta a proposta de Deus; e é disto que os discípulos são chamados a dar testemunho.
• Os discípulos de Jesus não podem, contudo, dirigir-se aos irmãos necessitados olhando-os “do alto”, instalados nos seus esquemas de poder e autoridade, usando a caridade como instrumento de apoio aos seus projetos pessoais, ou exigindo algo em troca… Os discípulos de Jesus devem ser um grupo humilde (a “criança” do Evangelho), sem pretensão alguma de poder e de domínio, e que apenas está preocupado em servir os irmãos com “fome”.
• O que resulta da proposta de Jesus é uma humanidade totalmente livre da escravidão dos bens. Os necessitados tornam-se livres porque têm o necessário para viverem uma vida digna e humana; os que repartem os bens libertam-se da lógica egoísta dos bens e da escravidão do dinheiro e descobrem a liberdade do amor e do serviço.
• No final, os discípulos são convidados a recolher os restos, que devem servir para outras “multiplicações”. A tarefa dos discípulos de Jesus é uma tarefa nunca acabada, que deverá recomeçar em qualquer tempo e em qualquer lugar onde haja um irmão “com fome”.

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