segunda-feira, 1 de junho de 2015

TUDO VOS SERÁ PERDOADO

 10º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B

Gn 3, 9-15; Salmo 129 (130); 2Cr 4, 3-18-5,1; Marcos 3, 20-35.


Neste 10º Domingo do Tempo Comum, a Palavra de Deus leva-nos a meditar sobre a nossa resposta de vida ao projeto de Deus para nós, na liberdade de optar pelo bem e pelo mal. O Evangelho centra o nosso olhar na pessoa de Jesus, que os seus conterrâneos, entre eles tantos familiares, não aceitaram como enviado de Deus e não perceberam, até se opuseram, à vontade de Deus revelada em Jesus. Na caminhada da fé, cada um é livre de optar: ou ficar pelos dispersos sentidos de vida, ou permanecer na única família de Jesus, de «quem quiser fazer a vontade de Deus».
A segunda leitura realça que, para o cristão, viver só faz sentido na certeza da ressurreição, na caminhada de vida interior que se renova dia a dia em perspectiva da eternidade.
Neste horizonte neo-testamentário, meditemos em particular a primeira leitura que nos mostra, recorrendo à história mítica de Adão e Eva, o que acontece quando rejeitamos as propostas de Deus e preferimos caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência… Viver à margem de Deus leva, inevitavelmente, a trilhar caminhos de sofrimento, de destruição, de infelicidade e de morte.


1ª Leitura do Livro do Gênesis 3,9-15

Depois que o homem comeu da fruta da árvore, o Senhor Deus chamou Adão, dizendo: 'Onde estás?' E ele respondeu: 'Ouvi tua voz no jardim, e fiquei com medo, porque estava nu; e me escondi'. Disse-lhe o Senhor Deus: 'E quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi comer? Adão disse: 'A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu do fruto da árvore, e eu comi'. Disse o Senhor Deus à mulher: 'Por que fizeste isso? E a mulher respondeu. A serpente enganou-me e eu comi. Então o Senhor Deus disse à serpente: Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e comerás pó todos os dias da tua vida! Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.

MENSAGEM

A nossa leitura começa com a “investigação” de Deus… Antes de proferir a sua acusação, Deus – o acusador e juiz – investiga, descobre e estabelece os fatos. Primeira pergunta feita por Deus ao homem: “onde estás?” A resposta do homem é já uma confissão da sua culpabilidade: “ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me” (vers. 9-10). A vergonha e o medo são sinal de uma perturbação interior, de uma ruptura com a anterior situação de inocência, de harmonia, de serenidade e de paz. Como é que o homem chegou a esta situação? Evidentemente, desobedecendo a Deus e percorrendo caminhos contrários àqueles que Deus lhe havia proposto. A resposta do homem trai, portanto, o seu segredo e a sua culpa.
Depois desta constatação, a segunda pergunta feita por Deus ao homem é meramente retórica: “terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira de comer?” (vers. 11). A árvore em causa – a “árvore do conhecimento do bem e do mal” – significa o orgulho, a auto-suficiência, o prescindir de Deus e das suas propostas, o querer decidir por si só o que é bem e o que é mal, o pôr-se a si próprio em lugar de Deus, o reivindicar autonomia total em relação ao criador. A situação do homem, perturbado e em ruptura, é já uma resposta clara à pergunta de Deus… É evidente que o homem “comeu da árvore proibida” – isto é, escolheu um caminho de orgulho e de auto-suficiência em relação a Deus. Daí a vergonha e o medo. Ao defender-se, o homem acusa a mulher e, ao mesmo tempo, acusa veladamente o próprio Deus pela situação em que está (“a mulher que me deste por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi” – vers. 12). Adão representa essa humanidade que, mergulhada no egoísmo e na auto-suficiência, esqueceu os dons de Deus e vê em Deus um adversário; por outro lado, a resposta de Adão mostra, igualmente, uma humanidade que quebrou a sua unidade e se instalou na cobardia, na falta de solidariedade, no ódio. Escolher caminhos contrários aos de Deus não pode senão conduzir a uma vida de ruptura com Deus e com os outros irmãos. Vem, depois, a “defesa” da mulher: “a serpente enganou-me e eu comi” (vers. 13). Entre os povos cananeus, a serpente estava ligada aos rituais de fertilidade e de fecundidade. Os israelitas deixavam-se fascinar por esses cultos e, com frequência, abandonavam Jahwéh para seguir os rituais religiosos dos cananeus e assegurar, assim, a fecundidade dos campos e dos rebanhos. Na época em que o autor jahwista escreve, a serpente era, pois, o “fruto proibido”, que seduzia os crentes e os levava a abandonar a Lei de Deus. A “serpente” é, neste contexto, um símbolo literário de tudo aquilo que afastava os israelitas de Jahwéh. A resposta da “mulher” confirma tudo aquilo que até agora estava sugerido: é verdade, a humanidade que Deus criou prescindiu de Deus, ignorou as suas propostas e enveredou por outros caminhos. Achou, no seu egoísmo e auto-suficiência, que podia encontrar a verdadeira vida à margem de Deus, prescindindo das propostas de Deus. Diante disto, não são precisas mais perguntas. Está claramente definida a culpa de uma humanidade que pensou poder ser feliz em caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, totalmente à margem dos caminhos que foram propostos por Deus. Que tem Deus a acrescentar? Pouco mais, a não ser condenar como falsos e enganosos esses cultos e essas tentações que seduziam os israelitas e os colocavam fora da dinâmica da Aliança e dos mandamentos (vers. 14-15). O nosso catequista jahwista sabe que a serpente é um animal miserável, que passa toda a sua existência mordendo o pó da terra. O autor vai servir-se deste dado para pintar, plasticamente, a condenação radical de tudo aquilo que leva os homens a afastar-se dos caminhos de Deus e a enveredar por caminhos de egoísmo e de auto-suficiência. O que é que significa a inimizade e a luta entre a “descendência” da mulher e a “descendência” da serpente? Provavelmente, o autor jahwista está, apenas, a dar uma explicação etiológica (uma “etiologia” é uma tentativa de explicar o porquê de uma determinada realidade que o autor conhece no seu tempo, a partir de um pretenso acontecimento primordial, que seria o responsável pela situação atual) para o fato de a serpente inspirar horror aos humanos e de toda a gente lhe procurar “esmagar a cabeça”; mas a interpretação judaica e cristã viu nestas palavras uma profecia messiânica: Deus anuncia que um “filho da mulher” (o Messias) acabará com as consequências do pecado e inserirá a humanidade numa dinâmica de graça. Atenção: o autor sagrado não está a falar de um pecado cometido nos primórdios da humanidade pelo primeiro homem e pela primeira mulher; mas está a falar do pecado cometido por todos os homens e mulheres de todos os tempos… Ele está apenas a ensinar que a raiz de todos os males está no fato de o homem prescindir de Deus e construir o mundo a partir de critérios de egoísmo e de auto-suficiência. Não conhecemos bem este quadro?


Salmo - Sl 129
No Senhor toda graça e redenção!

Das profundezas eu clamo a vós, Senhor,*
escutai a minha voz!
Vossos ouvidos estejam bem atentos*
ao clamor da minha prece.

Se levardes em conta nossas faltas,*
quem haverá de subsistir?
Mas em vós se encontra o perdão,*
eu vos temo e em vós espero.

No Senhor ponho a minha esperança,*
espero em sua palavra.
A minh'alma espera no Senhor*
mais que o vigia pela aurora.

Espere Israel pelo Senhor,*
pois no Senhor se encontra toda graça
e copiosa redenção.
Ele vem libertar a Israel*
de toda a sua culpa.


2ª Leitura da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios 4,13-18-5,1

Irmãos: Sustentados pelo mesmo espírito de fé, conforme o que está escrito: Eu creio e, por isso, falei, nós também cremos e, por isso, falamos, certos de que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também com Jesus e nos colocará ao seu lado, juntamente convosco. E tudo isso é por causa de vós, para que a abundância da graça em um número maior de pessoas faça crescer a ação de graças para a glória de Deus. Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interior, pelo contrário, vai-se renovando, dia a dia. Com efeito, o volume insignificante de uma tribulação momentânea acarreta para nós uma glória eterna e incomensurável. E isso acontece, porque voltamos os nossos olhares para as coisas  invisíveis e não para as coisas visíveis. Pois o que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno. De fato, sabemos que, se a tenda em que moramos neste mundo for destruída, Deus nos dá uma outra moradia no céu que não é obra de mãos humanas, mas que é eterna.


MENSAGEM

A segunda Carta de Paulo aos Coríntios apareceu num momento particularmente tenso da relação entre o apóstolo e essa comunidade cristã da Grécia. Algumas duras críticas de Paulo (na primeira Carta aos Coríntios) a certos membros da comunidade que viviam de forma pouco coerente com a fé cristã provocaram um certo desconforto na comunidade, que foi aproveitado pelos opositores de Paulo, que criaram um clima de hostilidade contra o apóstolo. Paulo foi acusado de estar a cuidar apenas dos seus próprios interesses e de pregar uma doutrina que não estava em consonância com o Evangelho anunciado pelos outros apóstolos. Na opinião dos seus detratores, o fato de Paulo não ter apresentado qualquer “carta de recomendação” que comprovasse a sua autoridade para anunciar o Evangelho significava que a doutrina por ele pregada não era digna de fé.
Ao saber do que se passava, Paulo foi a Corinto; mas essa ida não só não resolveu o problema, como até o radicalizou. Deve ter havido uma troca violenta de argumentos e de palavras e Paulo foi gravemente ofendido por um membro da comunidade. Algum tempo depois, Tito, amigo e colaborador de Paulo, partiu para Corinto com a missão de acalmar os ânimos e de tentar a reconciliação. Quando voltou, Tito trazia notícias animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os Coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo. Foi então que Paulo escreveu a nossa segunda Carta aos Coríntios. Nela, o apóstolo explicava tranquilamente aos Coríntios os princípios que sempre orientaram o seu trabalho apostólico (cf. 2 Cor 1,3-7,16) e desmontava os argumentos dos adversários (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Estávamos nos anos 56/57.
Neste contexto, o texto de hoje situa-nos na opção pelo sentido da nossa vida em Cristo. Paulo apresenta duas fortes convicções de fé: «com este mesmo espírito de fé, também acreditamos, e falamos», que Deus há-de ressuscitar-nos com Jesus e vai levar-nos para ficarmos eternamente em comunhão com Ele; o homem interior renova-se em cada dia na medida em que intensifica o seu olhar nas coisas invisíveis que são eternas. Em consequência, há que renovar constantemente, sem desanimar, esta opção pela habitação eterna, em comunhão plena com Deus. Coisas essenciais, ditas de modo claro, a exigir coerência àqueles que querem continuar a viver como autênticos discípulos de Cristo.


Evangelho Marcos 3,20-35

Naquele tempo: Jesus voltou para casa com os seus discípulos. E de novo se reuniu tanta gente
que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si. Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios. Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: 'Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa. Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno'. Jesus falou isso, porque diziam: 'Ele está possuído por um espírito mau'. Nisso chegaram sua mãe e seus irmãos. Eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada ao redor dele. Então lhe disseram: 'Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura'. Ele respondeu: 'Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?' E olhando para os que estavam sentados ao seu redor,
disse: 'Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe'.
 

MENSAGEM  

Jesus continua a percorrer o espaço geográfico da Galileia e a cumprir a sua missão de anunciar o “Reino”. Começa, no entanto, a crescer a onda de contestação à sua pregação. Tomando como pretexto alguns casos particulares cada vez mais insignificantes, os líderes judaicos manifestam a sua firme oposição à novidade do “Reino”. As polêmicas e controvérsias marcam esta fase da caminhada de Jesus.De uma forma geral, Marcos narra as controvérsias seguindo um esquema fixo e sempre igual: começa com a apresentação da questão, continua com a discussão e termina com um “dito” final de Jesus. Este “dito” não oferece a mera solução do “caso” em questão, mas é sempre uma auto-revelação de Jesus, de importância decisiva para a comunidade cristã do tempo de Marcos e de todos os tempos.
Toda a cena se passa numa “casa”. Que casa é essa? É uma casa onde Jesus está a pregar a Palavra e é uma casa onde «de novo acorreu tanta gente, de modo que nem sequer podiam comer». É também uma casa onde estão sentados/instalados alguns especialistas da Lei (escribas). A “casa” onde Jesus prega, onde se congrega a comunidade judaica e onde há escribas instalados, poderia ser uma figura da sinagoga, entendida como assembléia do Povo de Deus. O fato de se referir que a “casa” em questão estava situada na cidade de Cafarnaum (o centro a partir do qual irradia a atividade de Jesus na Galileia) poderia indicar que Marcos está a falar da comunidade judaica da Galileia, em cujas sinagogas Jesus acabou de passar (cf. Mc 1,39), anunciando a Boa Nova do Reino. Em qualquer caso, a “casa” representa essa comunidade judaica a quem Jesus dirige a pregação do “Reino”.
A mensagem evangélica de hoje apresenta três diálogos de Jesus: dois com os seus familiares, no princípio e no fim, outro com os escribas, no meio
Fiquemo-nos pelos familiares de Jesus. Diz-se que vão a Cafarnaum para levar Jesus desta casa onde está para a sua casa em Nazaré. Muitas são as razões: muito tempo fora da família, notícias contraditórias sobre a sua atividade, mensagem em contraste com a doutrina oficial dos escribas e fariseus, contacto com os pecadores de quem é amigo, não seguimento da tradição dos antigos nem respeito pelo sábado; enfim, Jesus é considerado louco e herético. A intenção principal é reconduzi-lo ao caminho reto de um autêntico judeu.
Há os que ficam de fora e os que estão dentro. Imagem atualíssima para nós hoje. Podemos andar por fora, arredios, ficar à porta, até nos chamarmos “católicos não praticantes”. Que significa isso? Faz sentido? Ou se é ou não se é. Aí está de novo a radicalidade da opção por Jesus. Ou ficamos for, ou estamos dentro da casa, unidos a Jesus, a escutá-l’O e a segui-l’O com todo o nosso ser, com todo o nosso coração.


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