10º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B
Gn 3, 9-15; Salmo 129 (130); 2Cr 4, 3-18-5,1; Marcos 3,
20-35.
Neste 10º Domingo do Tempo Comum, a Palavra de Deus leva-nos a
meditar sobre a nossa resposta de vida ao projeto de Deus para nós, na
liberdade de optar pelo bem e pelo mal. O Evangelho centra o nosso olhar na
pessoa de Jesus, que os seus conterrâneos, entre eles tantos familiares, não
aceitaram como enviado de Deus e não perceberam, até se opuseram, à vontade de
Deus revelada em Jesus. Na caminhada da fé, cada um é livre de optar: ou ficar
pelos dispersos sentidos de vida, ou permanecer na única família de Jesus, de
«quem quiser fazer a vontade de Deus».
A segunda leitura realça que, para o cristão, viver só faz
sentido na certeza da ressurreição, na caminhada de vida interior que se renova
dia a dia em perspectiva da eternidade.
Neste horizonte neo-testamentário, meditemos em particular a primeira leitura
que nos mostra, recorrendo à história mítica de Adão e Eva, o que acontece
quando rejeitamos as propostas de Deus e preferimos caminhos de egoísmo, de
orgulho e de auto-suficiência… Viver à margem de Deus leva, inevitavelmente, a
trilhar caminhos de sofrimento, de destruição, de infelicidade e de morte.
1ª Leitura do Livro do
Gênesis 3,9-15
Depois que o homem comeu da fruta da árvore, o Senhor Deus
chamou Adão, dizendo: 'Onde estás?' E ele respondeu: 'Ouvi tua voz no jardim, e
fiquei com medo, porque estava nu; e me escondi'. Disse-lhe o Senhor Deus: 'E
quem te disse que estavas nu? Então comeste da árvore, de cujo fruto te proibi
comer? Adão disse: 'A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me
deu do fruto da árvore, e eu comi'. Disse o Senhor Deus à mulher: 'Por que
fizeste isso? E a mulher respondeu. A serpente enganou-me e eu comi. Então o
Senhor Deus disse à serpente: Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os
animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e
comerás pó todos os dias da tua vida! Porei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o
calcanhar.
MENSAGEM
A nossa leitura começa com a “investigação” de Deus… Antes de
proferir a sua acusação, Deus – o acusador e juiz – investiga, descobre e
estabelece os fatos. Primeira pergunta feita por Deus ao homem: “onde estás?” A
resposta do homem é já uma confissão da sua culpabilidade: “ouvi o rumor dos
vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me” (vers.
9-10). A vergonha e o medo são sinal de uma perturbação interior, de uma
ruptura com a anterior situação de inocência, de harmonia, de serenidade e de
paz. Como é que o homem chegou a esta situação? Evidentemente, desobedecendo a
Deus e percorrendo caminhos contrários àqueles que Deus lhe havia proposto. A
resposta do homem trai, portanto, o seu segredo e a sua culpa.
Depois desta constatação, a segunda pergunta feita por Deus ao homem é
meramente retórica: “terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira de
comer?” (vers. 11). A árvore em causa – a “árvore do conhecimento do bem e do
mal” – significa o orgulho, a auto-suficiência, o prescindir de Deus e das suas
propostas, o querer decidir por si só o que é bem e o que é mal, o pôr-se a si
próprio em lugar de Deus, o reivindicar autonomia total em relação ao criador.
A situação do homem, perturbado e em ruptura, é já uma resposta clara à
pergunta de Deus… É evidente que o homem “comeu da árvore proibida” – isto é,
escolheu um caminho de orgulho e de auto-suficiência em relação a Deus. Daí a
vergonha e o medo. Ao defender-se, o homem acusa a mulher e, ao mesmo tempo,
acusa veladamente o próprio Deus pela situação em que está (“a mulher que me
deste por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi” – vers. 12). Adão
representa essa humanidade que, mergulhada no egoísmo e na auto-suficiência,
esqueceu os dons de Deus e vê em Deus um adversário; por outro lado, a resposta
de Adão mostra, igualmente, uma humanidade que quebrou a sua unidade e se
instalou na cobardia, na falta de solidariedade, no ódio. Escolher caminhos
contrários aos de Deus não pode senão conduzir a uma vida de ruptura com Deus e
com os outros irmãos. Vem, depois, a “defesa” da mulher: “a serpente enganou-me
e eu comi” (vers. 13). Entre os povos cananeus, a serpente estava ligada aos
rituais de fertilidade e de fecundidade. Os israelitas deixavam-se fascinar por
esses cultos e, com frequência, abandonavam Jahwéh para seguir os rituais
religiosos dos cananeus e assegurar, assim, a fecundidade dos campos e dos
rebanhos. Na época em que o autor jahwista escreve, a serpente era, pois, o
“fruto proibido”, que seduzia os crentes e os levava a abandonar a Lei de Deus.
A “serpente” é, neste contexto, um símbolo literário de tudo aquilo que
afastava os israelitas de Jahwéh. A resposta da “mulher” confirma tudo aquilo
que até agora estava sugerido: é verdade, a humanidade que Deus criou
prescindiu de Deus, ignorou as suas propostas e enveredou por outros caminhos.
Achou, no seu egoísmo e auto-suficiência, que podia encontrar a verdadeira vida
à margem de Deus, prescindindo das propostas de Deus. Diante disto, não são
precisas mais perguntas. Está claramente definida a culpa de uma humanidade que
pensou poder ser feliz em caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, totalmente
à margem dos caminhos que foram propostos por Deus. Que tem Deus a acrescentar?
Pouco mais, a não ser condenar como falsos e enganosos esses cultos e essas
tentações que seduziam os israelitas e os colocavam fora da dinâmica da Aliança
e dos mandamentos (vers. 14-15). O nosso catequista jahwista sabe que a
serpente é um animal miserável, que passa toda a sua existência mordendo o pó
da terra. O autor vai servir-se deste dado para pintar, plasticamente, a
condenação radical de tudo aquilo que leva os homens a afastar-se dos caminhos
de Deus e a enveredar por caminhos de egoísmo e de auto-suficiência. O que é
que significa a inimizade e a luta entre a “descendência” da mulher e a
“descendência” da serpente? Provavelmente, o autor jahwista está, apenas, a dar
uma explicação etiológica (uma “etiologia” é uma tentativa de explicar o porquê
de uma determinada realidade que o autor conhece no seu tempo, a partir de um
pretenso acontecimento primordial, que seria o responsável pela situação atual)
para o fato de a serpente inspirar horror aos humanos e de toda a gente lhe
procurar “esmagar a cabeça”; mas a interpretação judaica e cristã viu nestas
palavras uma profecia messiânica: Deus anuncia que um “filho da mulher” (o
Messias) acabará com as consequências do pecado e inserirá a humanidade numa
dinâmica de graça. Atenção: o autor sagrado não está a falar de um pecado
cometido nos primórdios da humanidade pelo primeiro homem e pela primeira
mulher; mas está a falar do pecado cometido por todos os homens e mulheres de
todos os tempos… Ele está apenas a ensinar que a raiz de todos os males está no
fato de o homem prescindir de Deus e construir o mundo a partir de critérios de
egoísmo e de auto-suficiência. Não conhecemos bem este quadro?
Salmo - Sl 129
No Senhor toda graça e redenção!
Das profundezas eu clamo a vós, Senhor,*
escutai a minha voz!
Vossos ouvidos estejam bem atentos*
ao clamor da minha prece.
Se levardes em conta nossas faltas,*
quem haverá de subsistir?
Mas em vós se encontra o perdão,*
eu vos temo e em vós espero.
No Senhor ponho a minha esperança,*
espero em sua palavra.
A minh'alma espera no Senhor*
mais que o vigia pela aurora.
Espere Israel pelo Senhor,*
pois no Senhor se encontra toda graça
e copiosa redenção.
Ele vem libertar a Israel*
de toda a sua culpa.
2ª Leitura da Segunda
Carta de São Paulo aos Coríntios 4,13-18-5,1
Irmãos: Sustentados pelo mesmo espírito de fé, conforme o que
está escrito: Eu creio e, por isso, falei, nós também cremos e, por isso,
falamos, certos de que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará
também com Jesus e nos colocará ao seu lado, juntamente convosco. E tudo isso é por causa de vós, para que a abundância da graça em um número
maior de pessoas faça crescer a ação de graças para a glória de Deus. Por isso,
não desanimamos. Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interior, pelo
contrário, vai-se renovando, dia a dia. Com efeito, o volume insignificante de uma
tribulação momentânea acarreta para nós uma glória eterna e incomensurável. E isso acontece, porque
voltamos os nossos olhares para as coisas invisíveis e não para as coisas
visíveis. Pois o que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno. De
fato, sabemos que, se a tenda em que moramos neste mundo for destruída, Deus
nos dá uma outra moradia no céu que não é obra de mãos humanas, mas que é
eterna.
MENSAGEM
A segunda Carta de Paulo aos Coríntios apareceu num momento particularmente
tenso da relação entre o apóstolo e essa comunidade cristã da Grécia. Algumas
duras críticas de Paulo (na primeira Carta aos Coríntios) a certos membros da
comunidade que viviam de forma pouco coerente com a fé cristã provocaram um
certo desconforto na comunidade, que foi aproveitado pelos opositores de Paulo,
que criaram um clima de hostilidade contra o apóstolo. Paulo foi acusado de
estar a cuidar apenas dos seus próprios interesses e de pregar uma doutrina que
não estava em consonância com o Evangelho anunciado pelos outros apóstolos. Na
opinião dos seus detratores, o fato de Paulo não ter apresentado qualquer
“carta de recomendação” que comprovasse a sua autoridade para anunciar o
Evangelho significava que a doutrina por ele pregada não era digna de fé.
Ao saber do que se passava, Paulo foi a Corinto; mas essa ida
não só não resolveu o problema, como até o radicalizou. Deve ter havido uma
troca violenta de argumentos e de palavras e Paulo foi gravemente ofendido por
um membro da comunidade. Algum tempo depois, Tito, amigo e colaborador de
Paulo, partiu para Corinto com a missão de acalmar os ânimos e de tentar a
reconciliação. Quando voltou, Tito trazia notícias animadoras: o diferendo fora
ultrapassado e os Coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo. Foi
então que Paulo escreveu a nossa segunda Carta aos Coríntios. Nela, o apóstolo
explicava tranquilamente aos Coríntios os princípios que sempre orientaram o
seu trabalho apostólico (cf. 2 Cor 1,3-7,16) e desmontava os argumentos dos
adversários (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Estávamos nos anos 56/57.
Neste contexto, o texto de hoje situa-nos na opção pelo sentido da nossa vida
em Cristo. Paulo apresenta duas fortes convicções de fé: «com este mesmo
espírito de fé, também acreditamos, e falamos», que Deus há-de ressuscitar-nos
com Jesus e vai levar-nos para ficarmos eternamente em comunhão com Ele; o
homem interior renova-se em cada dia na medida em que intensifica o seu olhar
nas coisas invisíveis que são eternas. Em consequência, há que renovar
constantemente, sem desanimar, esta opção pela habitação eterna, em comunhão
plena com Deus. Coisas essenciais, ditas de modo claro, a exigir coerência
àqueles que querem continuar a viver como autênticos discípulos de Cristo.
Evangelho Marcos
3,20-35
Naquele tempo: Jesus voltou para casa com os seus discípulos.
E de novo se reuniu tanta gente
que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus
saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si. Os mestres da Lei,
que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Belzebu, e
que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios. Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas:
'Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si
mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela
não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide,
não poderá sobreviver, mas será destruído. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes
o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa. Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos
homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas
quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado
de um pecado eterno'. Jesus falou isso, porque diziam: 'Ele está possuído por
um espírito mau'. Nisso chegaram sua mãe e seus irmãos. Eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada ao
redor dele. Então lhe disseram: 'Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura'. Ele
respondeu: 'Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?' E olhando para os que
estavam sentados ao seu redor,
disse: 'Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é
meu irmão, minha irmã e minha mãe'.
MENSAGEM
Jesus continua a percorrer o espaço geográfico da Galileia e a
cumprir a sua missão de anunciar o “Reino”. Começa, no entanto, a crescer a
onda de contestação à sua pregação. Tomando como pretexto alguns casos
particulares cada vez mais insignificantes, os líderes judaicos manifestam a
sua firme oposição à novidade do “Reino”. As polêmicas e controvérsias marcam
esta fase da caminhada de Jesus.De uma forma geral, Marcos narra as
controvérsias seguindo um esquema fixo e sempre igual: começa com a apresentação
da questão, continua com a discussão e termina com um “dito” final de Jesus.
Este “dito” não oferece a mera solução do “caso” em questão, mas é sempre uma
auto-revelação de Jesus, de importância decisiva para a comunidade cristã do
tempo de Marcos e de todos os tempos.
Toda a cena se passa numa “casa”. Que casa é essa? É uma casa
onde Jesus está a pregar a Palavra e é uma casa onde «de novo acorreu tanta
gente, de modo que nem sequer podiam comer». É também uma casa onde estão
sentados/instalados alguns especialistas da Lei (escribas). A “casa” onde Jesus
prega, onde se congrega a comunidade judaica e onde há escribas instalados,
poderia ser uma figura da sinagoga, entendida como assembléia do Povo de Deus.
O fato de se referir que a “casa” em questão estava situada na cidade de
Cafarnaum (o centro a partir do qual irradia a atividade de Jesus na Galileia)
poderia indicar que Marcos está a falar da comunidade judaica da Galileia, em
cujas sinagogas Jesus acabou de passar (cf. Mc 1,39), anunciando a Boa Nova do
Reino. Em qualquer caso, a “casa” representa essa comunidade judaica a quem
Jesus dirige a pregação do “Reino”.
A mensagem evangélica de hoje apresenta três diálogos de
Jesus: dois com os seus familiares, no princípio e no fim, outro com os
escribas, no meio
Fiquemo-nos pelos familiares de Jesus. Diz-se que vão a
Cafarnaum para levar Jesus desta casa onde está para a sua casa em Nazaré.
Muitas são as razões: muito tempo fora da família, notícias contraditórias
sobre a sua atividade, mensagem em contraste com a doutrina oficial dos
escribas e fariseus, contacto com os pecadores de quem é amigo, não seguimento
da tradição dos antigos nem respeito pelo sábado; enfim, Jesus é considerado
louco e herético. A intenção principal é reconduzi-lo ao caminho reto de um
autêntico judeu.
Há os que ficam de fora e os que estão dentro. Imagem atualíssima
para nós hoje. Podemos andar por fora, arredios, ficar à porta, até nos
chamarmos “católicos não praticantes”. Que significa isso? Faz sentido? Ou se é
ou não se é. Aí está de novo a radicalidade da opção por Jesus. Ou ficamos for,
ou estamos dentro da casa, unidos a Jesus, a escutá-l’O e a segui-l’O com todo
o nosso ser, com todo o nosso coração.
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