terça-feira, 31 de março de 2015

UM POVO DE HOMENS LIVRES CAMINHA PARA A VIDA

DOMINGO DE PÁSCOA ANO B

At 10,34. 37-43; Salmo 117 (118); Col 3,1-4; Jo 20,1-9

A liturgia deste domingo celebra a ressurreição e garante-nos que a vida em plenitude resulta de uma existência feita dom e serviço em favor dos irmãos. A ressurreição de Cristo é o exemplo concreto que confirma tudo isto. 

A primeira leitura apresenta o exemplo de Cristo que “passou pelo mundo fazendo o bem” e que, por amor, se deu até à morte; por isso, Deus ressuscitou-O. Os discípulos, testemunhas desta dinâmica, devem anunciar este “caminho” a todos os homens. 

O Evangelho coloca-nos diante de duas atitudes face à ressurreição: a do discípulo obstinado, que se recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor total e a doação da vida não podem, nunca, ser geradores de vida nova; e a do discípulo ideal, que ama Jesus e que, por isso, entende o seu caminho e a sua proposta (a esse não o escandaliza nem o espanta que da cruz tenha nascido a vida plena, a vida verdadeira). 

A segunda leitura convida os cristãos, revestidos de Cristo pelo batismo, a continuarem a sua caminhada de vida nova, até à transformação plena (que acontecerá quando, pela morte, tivermos ultrapassado a última barreira da nossa finitude).

1ª Leitura – At 10,34. 37-43
Leitura dos Atos dos Apóstolos

Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judéia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demônio, porque Deus estava com Ele.Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados.

ATUALIZAÇÃO

• A ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem e a libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça e por fazer triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se dá aos outros e manifesta, em gestos concretos, a sua entrega aos irmãos, está a construir vida nova e plena. Eu estou a ressuscitar (porque caminho pelo mundo fazendo o bem e libertando os oprimidos), ou a minha vida é um repisar os velhos esquemas do egoísmo, do orgulho, do comodismo?

• A ressurreição de Jesus significa, também, que o medo, a morte, o sofrimento, a injustiça, deixam de ter poder sobre o homem que ama, que se dá, que partilha a vida. Ele tem assegurada a vida plena – essa vida que os poderes do mundo não podem destruir, atingir ou restringir. Ele pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que lhe vem da fé. Estou consciente disto, ou deixo-me dominar pelo medo, sempre que tenho de agir para combater aquilo que rouba a vida e a dignidade, a mim e a cada um dos meus irmãos?

• Aos discípulos pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o sepulcro vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do Senhor ressuscitado, que está vivo e que caminha ao nosso lado nos caminhos da história. A nossa missão é testemunhar essa realidade; no entanto, o nosso testemunho será oco e vazio se não for comprovado pelo amor e pela doação (as marcas da vida nova de Jesus).

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118) 
Este é o dia que o Senhor fez para nós: alegremo-nos e nele exultemos!.

Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
porque é eterna a sua misericórdia.
Diga a casa de Israel:
é eterna a sua misericórdia.

A mão do Senhor fez prodígios,
a mão do Senhor foi magnífica.
Não morrerei, mas hei-de viver
para anunciar as obras do Senhor.

A pedra que os construtores rejeitaram
tornou-se pedra angular.
Tudo isto veio do Senhor:
é admirável aos nossos olhos.

2ª Leitura – Col 3,1-4
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses

Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.

ATUALIZAÇÃO

• O Batismo introduz-nos numa dinâmica de comunhão com Cristo ressuscitado. A partir do Batismo, Cristo passa a ser o centro e a referência fundamental à volta da qual se constrói toda a vida do crente. Qual o lugar que Cristo ocupa na minha vida? Tenho consciência de que o meu Batismo significou um compromisso com Cristo?

• A identificação com Cristo implica o assumir uma dinâmica de vida nova, despojada do egoísmo, do orgulho, do pecado e feita doação a Deus e aos irmãos. O cristão torna-se então, verdadeiramente, alguém que “aspira às coisas do alto” – quer dizer, alguém que, embora vivendo nesta terra e desfrutando as realidades deste mundo, tem como referência última os valores de Deus. Não se pede ao crente que seja um alienado, alguém que viva a olhar para o céu e que se demita do compromisso com o mundo e com os irmãos; mas pede-se-lhe que não faça dos valores do mundo a sua prioridade, a sua referência última. A minha vida tem sido uma caminhada coerente com esta dinâmica de vida nova que começou no dia em que fui batizado? Esforço-me, realmente, por me despojar do “homem velho”, egoísta e escravo do pecado, e por me revestir do “homem novo”, que se identifica com Cristo e que vive no amor, no serviço, na doação aos irmãos?

• Paulo, a partir do exemplo de Cristo, garante-nos que esse caminho de despojamento do “homem velho” não é um caminho de derrota e de fracasso; mas é um caminho de glória, no qual se manifesta a realidade da vida eterna, da vida verdadeira.

• Quando, de alguma forma, tenho um papel ativo na preparação ou na celebração do sacramento do Batismo, tenho consciência – e procuro passar essa mensagem – de que o sacramento não é um ato tradicional ou social (que, por acaso, até proporciona fotografias bonitas), mas um compromisso sério e exigente com Cristo?

SEQUÊNCIA PASCAL

Cantai, cristãos, afinal: “Salve, ó vítima pascal!”
Cordeiro inocente, o Cristo abriu-nos do Pai o aprisco
Por toda ovelha imolado, do mundo lava o pecado.
Duelam forte e mais forte: é a vida que enfrente a morte.
O rei da vida, cativo, é morto, mas reina vivo!
Responde pois, ó Maria: no teu caminho o que havia? 
“Vi Cristo ressuscitado, o túmulo abandonado.
Os anjos da cor do sol. Dobrado ao chão o lençol...
O cristo, que leva aos céus, caminha à frente dos seus!”
Ressuscitou de verdade. Ó Rei, ó Cristo, piedade

Aleluia. Aleluia, Aleluia. 1 Cor 5,7b-8a
O nosso Cordeiro pascal, Jesus Cristo, já foi imolado. Celebremos, assim, esta festa, na sinceridade e verdade.:


EVANGELHO – Jo 20,1-9
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro
e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o discípulo predileto de Jesus e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

ATUALIZAÇÃO

• Também aqui – como em várias outras passagens do Evangelho – Pedro desempenha um papel estranho e infeliz: é o papel de um discípulo que continua a não sintonizar com Jesus e com a sua lógica. No entanto, não podemos ser demasiado duros com Pedro: ele é, apenas, o paradigma de uma figura de discípulo que conhecemos bem: o discípulo que tem dificuldade em perceber Jesus e os seus valores, pois está habituado a funcionar de acordo com outros valores e padrões – os valores e padrões dos homens. A lógica humana ensina-nos que o amor partilhado até à morte, o serviço simples e sem pretensões, a doação e a entrega da vida, só conduzem ao fracasso e não são um caminho sólido e consistente para chegar ao êxito, ao triunfo, à glória; da cruz, do amor radical, da doação de si, não pode resultar realização, felicidade, vida plena, êxito profissional ou social. Como nos situamos face a esta lógica?

• O “discípulo predileto” de que fala o texto é o discípulo que vive em comunhão com Jesus, que se identifica com Jesus e com os seus valores, que interiorizou e absorveu a lógica da entrega incondicional, do dom da vida, do amor total. Modelo do verdadeiro discípulo, ele convida-nos à identificação com Jesus, à escuta atenta e comprometida dos valores de Jesus, ao seguimento de Jesus. Propõe-nos uma renúncia firme a esquemas de egoísmo, de injustiça, de orgulho, de prepotência e a realizar gestos que sejam sinais do amor, da bondade, da misericórdia e da ternura de Deus.

• A ressurreição de Jesus prova, precisamente, que a vida plena, a vida total, a transfiguração total da nossa realidade finita e das nossas capacidades limitadas, passa pelo amor que se dá, com radicalidade, até às últimas consequências. Garante-nos que a vida gasta a amar não é perdida nem fracassada, mas é o caminho para a vida plena e verdadeira, para a felicidade sem fim. Temos consciência disso? É nessa direção que conduzimos a caminhada da nossa vida?

• Pela fé, pela esperança, pelo seguimento de Cristo e pelos sacramentos, a semente da ressurreição (o próprio Jesus) é depositada na realidade do homem/corpo. Revestidos de Cristo, somos nova criatura: estamos, portanto, a ressuscitar, até atingirmos a plenitude, a maturação plena, a vida total (quando ultrapassarmos a barreira da morte física). Aqui começa, pois, a nova humanidade.

• A figura de Pedro pode também representar, aqui, essa velha prudência dos responsáveis institucionais da Igreja, que os impede de ir à frente da caminhada do Povo de Deus, de arriscar, de aceitar os desafios, de aderir ao novo, ao desconcertante, ao incompreensível. O Evangelho de hoje sugere que é, precisamente nesse novo, desconcertante, incompreensível à luz da lógica humana que, tantas vezes, se revela o mistério de Deus e se encontram ecos de ressurreição e de vida nova.

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